ENCONTRO MARCADO.

Por Carlos Sena


Amanhã tenho um encontro marcado. Se ainda hoje me encontrei com ele, por que agora ele me telefona e diz que está chegando? Por que ele não espera a hora combinada para nos vermos? Mas, tudo indica que algo novo aconteceu, haja vista já se aproximar a hora de bater na minha porta. Faz tempo que ninguém bate na minha porta como quando a gente mora no interior. Interfono para a portaria e digo ao porteiro que ele pode subir e que não precisa ser anunciado! Eu nunca gostei mesmo de ser anunciado para alguém ou de alguém receber anuncio de chegada. Como ele quer vir me ver, pois que venha logo, para que possamos recuperar outros encontros marcados e nunca idos. Houve dias que eu fui, mas ele não foi. Agora ele me dá a certeza que está à caminho. Virá de ônibus, de carro, de metrô? Talvez venha mesmo andando – colhendo flores nos caminhos desertos desta selva de pedra. Flores que os beija flores não se atrevem sulcar, flores que mãos não ousam tocar, flores misturadas, despetaladas pela fuligem da poluição; meio inodoras pelas vicissitudes do tempo.

Duas horas se passaram. Cadê ele que ainda não bateu na minha porta? Porteiro, alô, é da portaria? Por que ele não veio? Mas foi dito que ele não precisava ser anunciado. Certamente esteja subindo pelas escadarias. Mas você não viu se ele chegou? Não, não vi. Tudo que vi foi que passou alguém apressado em direção ao elevador. Então você o viu? Como posso vê-lo e dizer que o vi se não o conheço?

Sentei no sofá da sala no aguardo de ouvir a porta bater. Na verdade, ser pontual não era seu forte. Mas ele me garantiu que estava a caminho e só me resta esperar. Fui pra cozinha e fiz um café fresquinho como ele gosta. Fiz torradinhas de pão dormido, bem do jeito que ele também gosta. Pus uma música incidental, intimista na sua essência e romântica na sua formatação.  Será que ele não confundiu esse encontro? Afinal, se ainda hoje já nos encontramos e amanhã tenho outro encontro marcado, será que não houve confusão em sua vinda por aqui hoje? Ignorei minhas dúvidas e me lembrei de um vinho tinto seco bem ao seu gosto. Ele estava lá na "cafua", como que esperando esse momento especial. Forrei a mesa, coloquei taças de cristal que disponho para ocasiões especiais e... Nada ainda! Porteiro, porteiro, eu acho que você não viu ninguém vindo pro meu apartamento. Mas se ele chegar me avise pelo interfone. Mas não foi dito que não precisava anunciá-lo? Sim, mas é que ele está me deixando ansioso e eu preciso saber a hora que ele virá.

A essa altura o vinho (na geladeira) já estava mais fresquinho, ao ponto de ser deglutido com todos os requintes de sofisticação. Afinal, beber vinho não é o mesmo que beber cerveja. Na verdade, cerveja se bebe mesmo, mas vinho se celebra e depois se degusta. Isto mesmo, se degusta. Ele é quem me ensinou alguns rituais do bom vinho, de preferência Chileno ou Português tinto seco. Anoiteceu e ele não veio. Descobri que a gente não precisa esperar por ninguém e me presenteei em alto estilo: mesa posta, taças de cristal, um vinho chileno e, de um lado eu. Do outro lado eu. Entreolhamo-nos e brindamos ao nosso auto-encontro... Pensei: o melhor encontro não será o de amanhã. Como não foi o de hoje que ele não veio. Ele é o melhor se for o de cada um consigo mesmo... A gente tem mesmo essa mania de querer se encontrar com os outros, sem, contudo, se encontrar consigo mesmo. Este foi o meu caso...  Todos esses encontros foram meus comigo mesmo. Como eu poderia não permitir que ele subisse pelo elevador sem ser anunciado se ele era eu mesmo?