Expiação
[Pelas letras de Celio Govedice em Expiação]
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"Estou em São Paulo
Caminho pelas suas ruas
Desço a ladeira da memória apressado
Na busca de reminiscências
Tenho a alma estática e fria
Parida no silêncio
Como são todas as almas soturnas"
(Celio Govedice)
Também caminho por São Paulo e a cidade é minha
dentro do seu cinza encontro outras cores;
encontro o negro, tão sujo quanto o asfalto,
o mais negro, tão retinto quanto o piche,
o absurdamente negro, como a cor da solidão.
Caminho por São Paulo nas noites de fúria,
nas noites sem lua e sem nenhum gesto de apoio,
fixo os olhos por dentro do desconhecido,
do que vejo no reflexo de um espelho imundo;
vejo antes de vê-lo, vejo antes de olhá-lo.
Sinto-o.
Eis-me nua por São Paulo e a cidade ainda é minha,
ainda tem o mesmo poste sem luz,
ainda tem o mesmo menino na esquina,
ainda tem a mesma menina a ser explorada
ainda tem o mesmo cafetão de olhar doente.
Eis-me perdida em São Paulo e a cidade me adentra
com o negro profundo da dor, do devasso de estar só
onde o último resquício de lucidez se afasta
e vai ao ritmo da neura me partindo em mil pedaços
me fragmentando e me espalhando em purpurina;
- estrelas brilhantes caídas no asfalto -
Sonho com realidades que não existem,
sinto o perfume de árvores e flores,
vejo homens alados, pássaros humanos
nas fictícias passagens de um barco inexistente
onde o obvio só pode ser o que me habita e o que oferto.
Recolho meus pedaços, me junto, me colo
São Paulo está dentro do que sou
e os que caminham por ela me pertencem
e eu pertenço aos que por ela caminham.
Me dê a tua mão, vem comigo,
me conheça,
me deixe descobri-lo,
venha ao meu dentro,
me deixe ir ao teu
e juntos
talvez consigamos aplacar a divindade da cor
e nos reconhecermos.