O carrasco
Por hoje, já que cansei de carne, que eu deixe cair o sangue no branco deste papel, e que o sangue se torne letras, e que as letras contem direito essa história para que não sofram o mesmo destino cruel. Não hoje, pois acabei meu estoque diário [talvez até semanal ou mensal, ainda não contei todas as baixas do meu exército de práticas infames] de torturas em uma única criatura mística. Ah, claro, claro, as letras dirão em breve de que tipo de criatura se trata, apenas é preciso um pouco mais de sangue...só mais um pouco...de vez em sempre...sempre... Ah! Doce sabor das delícias, torturar eternamente aquela criatura! Só por reconhecer o poder de poder torturar uma criatura poderosa como esta o sangue corre loucamente, como se fugisse do próprio medo de ferver nas caldeiras do inferno! E para que não sejam tão torturados pela curiosidade ou centelhas da mentira, e sim apenas pelas da inveja, digo-vos sobre a tal, bendita entre as maldições: sim, é uma inigualável criatura que os poetas chamam de musa, os mortais de deusa, e os maiores nove loucos do mundo chamam de nirvana de carne e osso! Pensam que é uma criatura divina e pacífica? Ela comete crimes inenarráveis apenas com os poderes e mundos ocultos em seus olhos de Leoa! Ela traz a cegueira negra ao mundo na infindável noite de seus cabelos! Ela traz a confusão de cheiros e sons na lira de sua garganta e na quimera de ervas do hálito de seu sopro! Ela traz tanta maldição ao mundo e possui tanto poder que nem trinta e sete cadeados selariam esta coisa! Não se preocupem, ainda há algum sangue restante para mudar este quadro. Sim, torturei sem dó aquela criatura, e confesso que devo receber alguma ajuda dos sussurros dos ventos e murmúrios das águas, uma iluminação neste difícil caminho que trilho por parte do brilho da mãe lua, mãe de nós lunáticos e carrascos de criaturas místicas. Confesso por meio deste sangue agora sendo derramado esta tortura. Torturei, para que meu chicote de pena lapidasse em sendas as sedas da pele daquela criatura, e atingi-a tão profundamente que suspeito ter arrancado algumas esferas de sombra de sua alma. Meus caros, esta criatura torturada será minha obra prima, e vejam que beleza, pois a cada chicotada surge um novo raio de luz. Dentro desta delicada brutalidade mística há um sol inteiro, meus caros, um sol como nunca foi visto! E a mim foi dado o trabalho de torturá-la, mesmo que para isso minha carne e sangue, vinho e água, água e leite, meu sagrado e profano se deteriorem e virem cinza junto à cinza deste mundo cinzento. Minha obra prima será um sol, meus colegas carrascos de pífios mortais, um sol jamais visto e poderoso o suficiente para iluminar este e um outro mundo além do meu. Registro com este meu sangue meu projeto para caso eu falhe [e temo que minhas forças já estejam esvaindo-se neste suicídio], outro tome meu lugar, e continue a lapidá-la, mesmo que nenhum outro chicote faça o mesmo efeito que este embebido nas vísceras de minha alma. Oh, maldição... por que insistes em atrapalhar? Cansei de carne por hoje, meus caros, repito, mas eu, sombra, nunca cansarei dos limites impostos pela luz dessa torturada. E que estas últimas gotas deste sangue sejam testemunhas, maquiagem e proteção de uma uma estrela jamais vista, aquela que brilhará forte o suficiente para aniquilar a sombra do filho bastardo da lua, seu carrasco e escultor, numa doce, quente e brilhante vingança!
Dija Darkdija