A PONTE ENTRE NÓS DOIS.

Por Carlos Sena

 
Há solidão nos monastérios. Há mistérios em qualquer solidão. O vazio do mundo está cheio de senões e em cada esquina, há passos fortes, passos firmes, passos trôpegos em direção ao infinito da desilusão sem consentimento.

Consinto que o beijo me esquente o corpo.
Pressinto que o corpo quente não mente pra alma.
Instinto perene do amor alado me acalma.
Distinto ser atribulado na avenida sem alma.


Há solidão no sótão. No casarão da rua, antigos sonhos permanecem subindo as escadas cheias de pucumãs. Adianto o relógio para vê-las no seu revés da vida passada a limpo pelas escadarias sujas do trajeto findo. Ando em cada rua em busca de mim, enquanto se perde em cada paralelepípedo o soneto da fidelidade que um dia o poeta cantou. Meu amor mora longe, mas não fica longe o sentido dele configurado. Entre a vila que ele mora e o lugarejo em que eu resido tem uma ponte. Há dias que ele vem e trás a ponte consigo; há dias que ele vai e leva sonhos despidos.

Há solidão correndo veias por falta de musculatura. Nas avenidas nuas, pequenos transeuntes se mudam sem saber pra onde vão. Muitos chegam a casa, mas a casa não chega ao que a solidão precisa para deixar de sê-la. Do alto da rua, descortina-se o vilarejo da ilusão que só o amor partido se recupera. Quando a solidão se recupera não é do jeito que o braço quebrado quando se regenera. O braço é véspera do adeus em que as mãos acenam. A solidão quando se quebra é parte dos pés que as pernas ficam sem saber conduzir.

Lá vai ela na avenida em busca do amor prometido. Prometido, o amor pode não ser cumprido por absoluta falta de domínio do sentir. Lá vai ele perdido a esmo rumo ao deserto fértil de si mesmo. A esmo, busca subir as escadas do casarão empoeirado de sonhos que estão virando pesadelos. Vou subir pra vê-los, vou subir pra sê-los, vou subir... Sobem sonhos os degraus da doce magia que a sombra do amor fresco se esquiva ser. Só o ser obstinado alcança ser estrada e ser caminheiro. Sendo estrada todos os passos lhe permeiam, mas sendo caminheiros só os passos do amor delineiam-se em perenes desejos de vencer a solidão. Enquanto isto, não. Enquanto não, sins sem senões, bordão da vida no cordão do bola preta pela avenida da ilusão – alusão ao bloco lírico que só os carnavais do meu Recife recitam em sol maior.