Vida e Morte
Nestes dois últimos anos, comecei a perder amigos e amigas para a “senhora” morte.
Penso que passei a conhecer a voz da morte. Há dois anos perdi o meu amigo de infância Sylvio. Recordo-me bem que recebi um email dele me dizendo que estava com câncer no pulmão, e estava em tratamento. Peguei o telefone e liguei imediatamente para ele.
A voz sumida, bem fraca. Me dizia que tinha esperança no tratamento quimioterápico. Falamos das nossas vidas, nós que nunca nos afastamos um do outro. Ele, torcedor do Fluminense e eu do Flamengo. Por amizade, ele me contou coisas do meu clube, fazendo críticas ao Adriano, o Imperador, que na época estava na Gávea. Nos despedimos. Não notei nele nenhum medo da morte. Falava com coragem, uma coragem que me impressionou. Desliguei o telefone e permaneci mudo e estático por um longo tempo, não acreditando neste fim do amigo. Triste, muito triste. No mês seguinte ele estava morto. Foi a minha última conversa com ele.
Agora, esta semana, foi mais um amigo, o Expedito. Este não era meu contemporâneo, muito mais velho. Colega de Faculdade de Direito. Enquanto eu entrava na Faculdade com meus 19 anos, ele, já casado, pai de cinco filhos, estava com 40 anos.
Repetiu-se a cena que tive com o Sylvio. Tenho a notícia por uma das filhas dele que ele estava com câncer, também no pulmão. Telefono para o Expedito. Voz sumida, muito fraca. Me fala do tratamento. Não noto nenhum medo. Fico impressionado com a coragem dos meus amigos.
As amigas que perdi foram da época da minha adolescência e começo da juventude . Mais ou menos, namoradinhas. Embora sempre tivesse notícias, as duas já não faziam parte da minha vida e por isso não ouvi a voz delas antes de suas mortes .
Tenho um jardim dentro de mim onde cultivo minhas adoráveis amizades.
Depois dessas quatro mortes, em apenas dois anos, tratei de criar um jardim da saudade para os meus mortos.
Tem razão minha amiga Clarice, quando, ao comentar um poema meu, me disse que a vida é um “leva-e-traz” constante. Agora, tenho o meu jardim que traz amigos e o jardim que me leva os amigos. É a vida...
Mas continuo a sonhar e termino esta prosa, meio nostálgica, sonhando acordado. Olho para o meu jardim dos vivos e faço estes versos livres:
“Quero vê-la surgir no meu jardim. De túnica azul, pés descalços, pisando suavemente na grama que eu mesmo aparei.
Quero vê-la sorrir pra mim e depois correr para a jabuticabeira, que eu mesmo plantei.
Quero vê-la gritar meu nome dizendo que está com sede, só para eu oferecer o suco de caju que eu fiz pensando muito nela.
Quero vê-la pular de alegria só porque está vivendo comigo um sonho de amor.
Pego meu cavalo alazão, ela na garupa, vamos a galope pelas pradarias da vida, que Deus criou para nós dois.
Sem destino, sem pressa, vamos naquela marcha boa saboreando e amando a nossa vida.”
A vida não acaba nunca e muito menos meus bons sonhos...