SOLITÁRIA

Perambulou entre a incompreensão e o ócio, entre os dias ocos de uma vida vazia, entre as faltas impostas por um corpo sem dono e sem afagos. Na tentação abstrata de um querer qualquer, quis a sensatez da liquidez que se esvai com o tempo, com os ventos das novas estações. Que se desfaz assim como se fez. Aprimorou incapacidades para ser mais daquilo que sempre fora; desmanchou as amarras inexistentes dos amores perdidos. Como um verme calcado de inverdades, estrebuchou o gozo do nunca mais na conformidade de um pra sempre inválido. Agarrou-se ao teor das misérias e nas ausências buscou o exílio preciso e garantido dos que nada tem por esperar. Foi inconstância… Foi desespero.

Fez-se ponto sobre a vírgula, ecoou acordes fora de tom, desnivelou o íngreme. Nas assombrações do passado viu os reflexos claros do futuro próximo, que sorriam e fomentavam as dores. Em um ritual heróico, alimentou o medo que fingia não sentir, com colheradas lentas e doces de si, envenenando-o aos poucos e matando-se por completo. Na tentativa insana de ver além do agora, viu a fonte já seca despencar em um precipício ilusório, viu morrer o filho que não nasceu. Foi invencível em todas as batalhas que perdeu. Foi choro que ninguém ouviu e lágrima que ninguém secou. Foi luz que alguém apagou…

Lutou contra a poesia e poetizou a prosa cotidiana com mesma a certeza daqueles que profetizam dúvidas. Na insegurança, calcou raízes instantâneas e seguras. Nos rabiscos entorpecidos que produziu, fez crescer a imagem clara da solidão instalada e eterna companheira das jornadas insones, dos pecados assumidos, da vida sem regras. Fez de cada recomeço, data sacramentada para um fim; fez de cada chegada uma partida imediata. Na falta do ombro amigo e outrora tão desejado, carregou os fardos sem auxílio, aleijando-se por esforço desmedido. Encolheu-se na vastidão de tudo aquilo que poderia ter sido e não foi. Na imperfeição das palavras escolhidas, construiu matriz. Escondeu-se e revelou-se atrás das linhas tortas, escritas a sangue com garranchos que ninguém leu, papéis que formaram pilhas no amontoado de seus sonhos abandonados. E com as asas que não desenvolveu, alçou voo pra lugar nenhum.

Barbara Nonato
Enviado por Barbara Nonato em 09/01/2012
Código do texto: T3431173
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