Breve solilóquio de mim para comigo mesmo
Quem sou? – não sei! Sei que penso e como falou o filósofo devo ser como ele, logo existo!
O que sou? – o que penso ser e imagino, e aí começo a enveredar nesse deserto e creio ser mais um filho do Criador e posso dizer muito mais, mas não sei se com isso consigo realmente definir bem a mim.
Batizaram-me quando eu nem sabia falar nem ler, mas hoje sei que nome tenho e também aprendi a escrever, não em linhas tortas prefiro uma folha sem pauta. Sei que sou cearense, violeiro, metido a poeta, meio-cantadô, aposentado, divorciado, pai, padrasto e marido, criador de cachorros, vendedor de redes, assíduo leitor, um pouco conversador quando beberico aguardente, bom ouvinte de música de qualquer idade, ciclista, nadador, razoável enxadrista, amante das florestas rios e mares, motorista, às vezes acho-me com cara de artista, quando feliz danço na pista, quando dou entrevista e quando entre nervoso e corajoso vou ao dentista. Sou o que não sei, arrisco-me mais no que sei não ser, e no que não desejo me tornar. Não queira saber tudo o que penso, porque isso não cabe num simples conversar, nem no papel por ser duro decifrar. Tentarei me mostrar em pedaços como o encaixe de inúmeros pedaços de um quebra cabeça. Não creio que eu seja nojento, briguento, mas isso não impede que alguém possa pensar isso e outras coisas mais sobre mim. Creio ser intolerante com a besterada, mas gosto das besteiras dos palhaços dos circos que retribuo com uma boa risada. Mentiras, ironias, farsas, tapeação cabem bem no bom-humor, não na seriedade virtuosa, porque não vejo ser de bom alvitre se misturar desbragadamente o profano com o sagrado. Não sei por onde vou quando durmo, não sei o porquê de sentir o que sinto quando enterneço-me diante do belo, e me indigno diante da maldade, sei que há coisas que me atraem e outras que repudio sem a menor cerimônia, devo ser guiado por uma sensibilidade, mas de onde ela vem não pergunte. O que sou, de onde vim, e para onde vou, não sei e não conheço quem sabe. Sei que não sei quem sou, mas não ando nem um pouco preocupado com isso, pois imagino e creio que vivo entre outros completos ignorantes em matéria dessas três respostas. Creio que como náufragos em mar aberto estamos todos, uns vão nadando, outros por não saberem vão se agarrando nos que sabem, tentando se salvarem, e nessa igualdade de condição a gente vai vendo aparecerem alguns sofistas iguais a gente, sem nada, sem nem ao menos uma prancha de surf e, metidos a besta e na maior cara de pau tentam ser guias e pregar para os que nadam pouco e temem se afogar, como se eles não estivessem na mesma condição e às vezes até piores, como se conhecessem algum porto próximo e pudessem se salvar pelo menos a si mesmos, é muita cara dura e muita hipocrisia para um só dia, se você acha ria!
- quem é que sabe nada!
- quem é que sabe tudo?
- e não será nada esse tudo todo?
- o que será que será ?
- o que foi e o que virá, quem saberá?
- e não será tudo esse nada todo?
Vou já calar-me e passo a ouvir o silencio e se ele tem alguma novidade imaginária para dizer-me, mas já o avisei e muitas vezes para que não tente convencer-me de que as coisas que me diz são verdades, e ele me acata e simplesmente fala o que quer e eu o escuto com indizível prazer por muitos minutos e todos os dias e noites, mas só o escuto até quando acho que devo e só escolho algo pra crer quando estou necessitado de algum dos seus remédios pras minhas dores.