O TEATRO DA VIDA

Por Carlos Sena

O ano se fecha como um espetáculo artístico que chega ao seu final. O teatro da vida pode estar lotado, mas pode também estar vazio. A gente se entrega ao espetáculo que se for bom a gente nem vê o tempo passar, mas se for ruim a gente se angustia. O teatro do existir, qual um espetáculo de arte, acontece indistintamente dos nossos quereres. O espetáculo do sol ignora nossas tristezas e até que  a gente escreva um novo “texto” para nova encenação no teatro do nosso tempo. O espetáculo das estrelas, da noite, das estações, dos dias nossos de todos os santos, transitam em nossa janela como se fosse um desfile de gala em noite de encantamento. “A moça feia debruçou na janela e sorriu”? A moça pode não ser feia, nem ser bonita, precisa apenas que exista no texto que a vida revisou para o teatro apoteótico da nossa existência. 

O ano se fecha como quem se esconde a sete chaves e se imiscui no fundo dos oceanos.  Ele se completa em si cumprindo sua função no tempo. Ignora-nos em nossas necessidades de dominá-lo enquanto tempo e transformá-lo enquanto sonhos, desejos de vida alvissareira. Se na lógica do tempo o ano se fecha, na lógica da semente ele morre para, na qualidade de grão, nascer de novo alimentando nossas ilusões. Cada ano é como se fosse um capítulo do nosso livro da vida. Cheio de mistérios, segue ele como uma locomotiva que ignora o destino dos passageiros. Em cada estação, descem pessoas com sonhos, angustias e solidão. Sobem pessoas animadas, bisonhas, com nesgas de esperanças a tiracolo. Outras felizes, determinadas. Comum a todas, apenas o palco da vida. Ali, posto à sua frente! Todas caminheiras existenciais em busca de serem felizes dos diversos jeitos permitidos ou inventados para isto. 

Acordo com se nem fosse hoje o ultimo dia. De repente, a TV me rebusca com notícias de festas em todos os lugares. Lá fora há um clima de festa, de entrega aos braços do novo ano como se nós não fossemos dele o mentor, mas o vassalo. Despedir-se de um ano e apostar no ano seguinte talvez seja a parte lúdica do teatro do tempo que, por não sabermos dominá-lo, inventamos formas ilusórias salutares, mesmo que questionáveis. Afinal, a lógica do tempo que contém o ano (velho e novo) é a mesma da bola de futebol: tem dois lados: o de dentro e o de fora! Pelo lado de fora festa, réveillon, fogos, champanhe; pelo lado de dento, mistério... Talvez conjugar a ilusão com a realidade fosse o ideal, posto que a vida é regada a sonhos. Estes, certamente, nos sustentam e nos ajudam a enfrentar nossa permanência na grande peça de teatro do nosso existir. Por isto é bom ir ao mar se isto lhe compraz a esperança. É bom vestir branco, se isto ajuda a consolidar a paz. É bom jogar flores ao mar. É bom rezar em pleno primeiro minuto do novo ano. É bom estar perto dos que amamos durante a passagem. Mas é bom que no início do novo ano, modifiquemos o texto daquele novo espetáculo que entra em cartaz por 365 dias e seis horas. Joguemos pela janela do carro, ou da casa, ou ao mar, todos os nossos rancores, todos os nossos “pecados”... Porque precisaremos de espaço no ano novo para de novo PECAR, beijar, sonhar, chorar, mas ser FELIZ como regra.