Abajur Bipartido
Sentado com as pernas cruzadas nessa cadeira
Com uma parede vermelha à minha direita
E um copo vazio com fundo sujo à frente
Penso
Penso.
Penso na profusão de outrora
De um passado não tão longínquo
Onde as coisas aconteciam com uma facilidade
Impressionante e até mesmo irritante.
Eu pensava, como penso agora, que aquilo
Não me pertencia
Aquelas palavras aos borbotões
Não me pertenciam
Assim como agora, aqui, de pernas cruzadas
Penso que elas me pertenciam e foram levadas
Por um agiota sem coração.
Fico arranjando motivos:
O antigo salário
O Não-salário
A solidão auto-imposta
A mesa entre duas camas - o que me permitia sentar na cadeira com as pernas arreganhadas, uma em cada cama, numa posição de parto.
Era isso: partos.
Eu paria idéias
Eu concebia inúmeras idéias
Filhas pródigas
Que eu considerava bastardas
E pedia diariamente aos céus
Para que de mim elas fossem destituídas
E que meu ventre se tornasse infecundo.
Eu nunca estou satisfeito com nada
Mas essa apatia - essas palavras incrustadas em algum canto recôndito da minha alma PRECISAM SAIR DE ALGUMA, DE QUALQUER MANEIRA - está me enlouquecendo, me atormentando; um tormento opaco de sexo entre virgens na lua-de-mel de um casamento de conveniência.
Preciso dos anátemas e dos esporros do subconsciente emergente.
Preciso de um cálice de mel de uma boceta que não existe e que toco com os dedos; que acaricio e chupo e lambo.
Preciso de uma cãibra na língua, do latejar no trapézio esquerdo, das dores de dentes, da contramão dos amores sórdidos e sazonais.
Preciso de um inferno com diabões com tridentes fumegantes, com caralhos purulentos de quarenta centímetros balançando ao sabor do vento de enxofre.
Preciso voar feito míssil e explodir por aí, caralho, no mundo de um desconhecido, no quintal de uma ninfomaníaca, no meio das cuecas de um dândi napoleônico.
De qualquer coisa que destrave esse looping de suicídios com faquinha de rocambole.
De ter menos Mana que um abajur dividido em duas partes desproporcionais.
"Porra", diz um brucutu que reside em mim. "Sai do casulo, filho da puta".
E eu coloco os indicadores nos ouvidos e sigo camuflado dentro de um espelho que reflete um eu empalhado.
Morto, com aparência de vivo. Vivo, com uma aura mortuária que recrudesce a cada dia que passa em vão.
26/12/2011 - 22h33m