[O Vaivém da Faca]
Tarde verão, lenta, lenta...
O sol tem até preguiça de se pôr.
O vaqueiro apeia do cavalo,
descalça as botinas mateiras,
e caminha devagar até o longo cocho d'água.
Tira a faca da bainha... primeiro,
a afiação na pedra do grão grosso,
p'ro acerto inicial, para tirar os dentes da lida,
dos cortes de galhos e couros crus...
Depois, o vaqueiro, que sabe o gado como ninguém,
e, portanto nunca tem pressa de viver ou de morrer,
e nem dá valor algum às querelas da vida,
corre, minuciosamente, a faca na pedra de grão fino,
para obter o corte triscante, aquele, de fazer a barba!
Assim e assim... sob os meus olhos atentos,
como acontece em todas as tardes,
geme e chia a faca do vaqueiro
na pedra encravada nas bordas do cocho,
molhada pela lambedura da água ligeira.
Penso... Pobre de mim, que não me livro nunca
de explorar fenomenologicamente esta cena!
Por quantas vias ainda hei de chegar a esta visão
do vaqueiro na afiação da sua faca na pedra de amolar,
até o ponto de fazer a barba com espuma de sabão de bola?
...E geme, e chia a faca do vaqueiro na pedra de grão fino,
fazendo o meu olhar se perder no vaivém da faca...
Ah, esse vaivém da faca que não me saí da memória!
E como posso morrer sem antes experimentar
a afiação dessa faca correndo, rápida, certeira,
na arrogância de uma garganta?
[Desterro, 25 de dezembro de 2011]