Epitáfio aos olhos dele

Os dias que se passaram deixaram um buraco em meu peito. Se olho ao longe o passar apressado dos anos, percebo que tudo caminha para o fim. Não tenho em meus olhos o olhar juvenil de outrora, nem tanto vejo as mesmas coisas. Lembro-me vagamente dos dias bonitos, bastava o brilho do sol para que a felicidade me tocasse, mas hoje apenas a tristeza me acompanha.

Lembro-me da intensidade de seus olhos, opacos, escuros, profundos que me liam, decifravam segredos desconhecidos por mim, mas apenas me lembro dos olhos, o resto apenas posso supor. A mente humana se gasta e sozinha apaga as lembranças mais doces. Como era o restante de seu rosto? Seu cabelo? O corpo que tive junto a mim por inúmeras vezes? Pergunto-me torcendo para que algo me ocorra, mas nada vem.

Agarro-me então ao vazio que me restou, apenas uma cadeira ao lado da janela, sei que em pouco tempo abandonarei este lugar, logo não terá mais nada e não levará muito tempo para que eu me torne uma lembrança, os olhos irritadiços na mente de alguém. Viro o olhar para a mesma estrada e quase posso ver-me apoiada na cerca, o corpo colado ao do dono dos olhos, os cabelos que voavam me fizeram rir, hoje me tornam um pouco mais melancólica, paro a lembrança quando ele se inclina para beijar o meu eu adolescente, bela e feliz.

Distraio-me com o caminhar solitário da morte, ela não parece ter pressa, embora eu a tenha. Sei que vem me fazer uma visita única e se os músculos da face já não estivessem tão fracos eu me esforçaria para sorrir, como se fossemos amigas de longa data. Não tive medo, não senti dor, foquei-me uma última vez nos olhos negros que me acompanharam pela longa vida e se houvesse outro lado eu sabia que ele estaria lá a minha espera. Apenas senti um ar gélido tocar meu corpo e uma paz branca. Então tudo acabara.

DM Santos
Enviado por DM Santos em 18/12/2011
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