Cafundó do Judas
Não moro perto,
é certo, se vier, vai se cansar.
Tem que voar, contar carneiros,
pegar carona nos jangadeiros.
Tomar a benção dos pardais da manhã
e beijar as mãos de cura da cunhã.
Se quiseres vir, terás de gastar as pernas,
adentrar às fundas cavernas da floresta,
ouvir a seresta do negro saci.
Para refrescar, um afago do aracati
na face suada, minada de cansaço,
um banho no açude para recobrar a saúde.
Terás de ir ainda à casa de Assunta
dar os pêsames, pela defunta senhora sua mãe.
Anda, anda e não se demore,
decore o caminho de volta jogando sementes,
que as sementes já serão árvores quando voltares.
Passa e enfeita os altares com flores,
acende uma vela e leva contigo a tela da santa.
Adianta sim ajoelhar, rezar pela chuva
que a água rega a uva e a uva vira vinho.
Na sombra do caminho das pitombeiras
as fiandeiras tecem alguns tapetes
que venderão nas feiras do Bonfim,
quando vier, não esqueça, traga um para mim!
Segue na beira do rio, conta os passos um a um,
canta o ponto de proteção para mamãe Oxum.
Se a estrada ainda não mostrar o fim,
colhe aqui e lá umas mudas de alecrim,
leve para Dora, agora, deitada no roncó.
Não se distraia com a panela de Deolinda,
a cabidela ainda está quente,
toda aquela gente mal pode esperar e você que não espere.
Não pense em voltar, falta pouco,
um pouco de coragem para marchar avante,
Adiante, está o reino das matas,
uma criança, um curumim vai te saudar,
avisar que finalmente chegaste.
Levará ele um presente, botas!
Vamos, não faça corpo mole traste,
calce logo se não quiser virar cambalhotas.
Desça pelo barranco, agarre o cipó,
que o lugar para onde vai é mesmo Cafundó.
Às portas da cidade toparás com a Teúda,
cortesã repolhuda das noites sem fim,
se achegue por lá depois venha até mim.
Disse que era longe, agora levante,
devolva as botas e chega de bulir as Manteúdas.
Já que viestes às minhas terras, vou te contar quem sou,
coronel Agripino Celestino, vulgo Judas sim senhor!