Recolho palavras e roupas as seis da manhã e desvio o cansaço que espreita a porta. Entre as camisas de ontem, lá estão, aos montes, aquelas todas bocas abertas de palavras esfomeadas empurrando meus calcanhares.
Incomoda-me que não as tenha dito, usado, pronunciado, gritado, silenciado, vomitado e todos os “ados” de rimas parentes! Incomoda-me principalmente esta que enxuga meu molhado sonho; esta que enganchada na meia frase, sempre me machuca.
Olha-me então, digo! Qual dos teus olhos pode pronunciar a dor de ver receios dissecados? Qual será tua oferta de hoje, senão a de anunciar o quanto emudeço diante dos inquietos dias?
Você; palavra pequena, roubada, segura, mastigada; palavra que cura, mata, salva, agarra, liberta, destrói, acalma; palavra grande, deformada, inconstante, malvada; palavra que salta, trava, arrebenta, apaixona, resgata e que agora avança-me como se mar coubesse em poros. De uma vez por todas, saibas que és para mim o turbilhão que julga ser, e é mais, muito mais; posto que quando não pronta, espera para nascer entre os dentes, na ponta da língua, pelo ventre da verde contração.
... E eu te gesto, palavra não nascida! Não sei da tua cara, teu sexo; nem quero saber se traz em si um mundo apático ou perplexo.
Difícil apenas é te parir nesta manhã sem soros ou anestésicos; nesta manhã de varais, de ausentes úteros; prostrada pelos segundos que um dia já abortaram sílabas em noites de letras cegas.
Do que sei no caminho de te gerar, há um todo, há um resto! Algo que pode crescer e saltar-me às salivas; algo assim... Algo mais! Para além deste protesto!