Texto Pós-prova
Lá fui eu, para um dos últimos testes da etapa do que eu espero ser uma vida longa (pelo menos mais longa da que os meus ídolos do rock tiveram). Longe de toda metafisica que este texto sugere, eu estava naquela sala, amuado em um canto forçadamente (primeira vez que tal atitude me foi forçada na vida, o resto foi tudo reação natural de minha parte) fazendo minha prova de vestibular.
Eu julgava as minhas chances como sendo poucas (20% para os matemáticos viciados em exatidão) pois o governo tinha tomado a porta larga de fatiar as vagas do curso em cotas, preferível a espinhosa e aparentemente trancada porta de melhorar o sistema de educação na Amazônia. Graças a Deus, a ignorância se mostrou pela primeira vez como uma amiga de longa data quando via que tal prova não poderia ser chamada de nada além de "relativamente fácil".
Sim, foi quase que cômico: tinha me massacrado durante um tempo que julguei ser pouquíssimo com o peso dos 20% agindo como se fosse 80% da massa do mundo todo e me vêm uma prova com algumas questões que não tinham nem a decência de mascarar a sua mediocridade.
Aquela prova era um exemplo do que o mundo inteiro tem feito comigo a vida inteira. Julgo a mim mesmo em um ciclo que muito se aproxima do Processo Kafkiesco só que, é obvio, em dimensões estritamente psicológicas. Muitas vezes fui julgado sem ter ninguém que entendesse as leis que regem o espirito do mundo para ser meu advogado. O meu "estar-no-mundo" já entrou em choque franco com o mundo lugar-físico propriamente dito várias vezes (teria sido esse o meu crime? Não consigo entender as frases do juiz, mesmo ele me lembrando muito o Tio Sam e falando o meu inglês de praxe).
Passei a minha vida inteira estudando os outros seres humanos, julgando serem eles tão complexos quanto eu ou (se possível fosse) mais complexos que isso. Agora, sou jogado no mar de sons universais chamado de "vida social" e descubro que a quantidade de sons e símbolos que acumulei minha vida inteira é mais um clown a entrecortar as minhas idéias do que uma ajuda propriamente dita.
Saí de lá com duas certezas em mim, que tinha o mundo todo comigo e que o tinha perdido completamente (e não no espaço de tempo curto da explosão de uma Bomba H mas sim numa longa viagem de insossos anos). O sistema educacional me ensinou, assim como tenho certeza que tenha ocorrido com diversas outras pessoas, que minhas coisas são tão valiosas (se não mais) do que a minha companhia. Treinou-me para medir quão bem sucedido alguém é pela quantia que recebe no final do mês.
O fato de eu nunca ter concordado com nada disso faz com que a maioria das pessoas me vejam como uma casta intocável do sistema ocidental. Entre ter um cifrão tatuado no cérebro e ter construído uma muralha para me isolar de tudo isso, fiz a segunda escolha de forma não totalmente consciente.
Bem, e aqui estou me queixando de que papeis em branco (alguns com versos) serão sempre os únicos nesse mundo talvez que saberão a minha verdadeira essência, mas como explica-la a pessoas que foram treinadas a não serem desafiadas nem mesmo em suas provas de vestibular?
E o poeta ainda escreve porque a Vida não responde...