Nota: este poema e prosa não são o retrato da minha vida atual. Eles apenas desenham momentos de  solidão que se vive em algum período da maturidade. Não existe definição para o que vivemos, muito menos um poema terá essa finalidade, se é que poemas as têm.  Ele surgiu agora porque faz parte de um processo que é a minha vida, no qual felizmente estou vivendo também superações e felicidades e recebendo carinhos muito especiais na vida real e nesta aqui do Recanto das Letras.







A  SOLIDÃO  É  FACA  AFIADA


 

Quando tudo me abandona

até a fome, até a raiva

até o nojo e a indiferença

então eu sei que estou só

que estou ao deus dará dos tempos

quando nem fome, nem teu nome

nada me fere ou me alucina

ou me toca em arrepios

então esta noite que me prende

aos seus braços rígidos

é a única coisa viva

que escuta as batidas

descompassadas

do meu coração

E fico assim encolhida

encolhida e trêmula

então desejo a Morte

deste corpo o corte

para além de tudo

neste cenário mudo!

                   
                  

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     Estar só é apenas este modo de se ver sem os olhos dos outros.
     E nossos olhos ficaram presos, grudados nas paredes de noites intermináveis, ficaram plantados com sementes no nosso jardim,  para  sempre  aguardando a floração, perdidos no horizonte de muitos entardeceres, esperando ansiosos a manhã de um dia melhor.
     O tempo avança,de qualquer modo,cortando os dias com a
navalha afiada da pressa ou do descuido dessas coisas de passar. Quando menos esperamos, a nossa mesa está vazia e os pratos jazem quietos no guarda-louças.
     Estar só é apenas este modo de ter muito espaço e pouco com que preencher.
     De certa forma, outro dia, invejei a solidão daquele velho que se queda sempre à janela, todas as tardes, levando os olhos aonde as pernas já não o podem levar. Uma solidão, quem sabe, diferente da minha, ela talvez tenha algum sentido, pensei que na sua casa talvez houvesse ainda aqueles cheiros de casa de outros tempos, não esses de agora das nossas casas aonde gostamos de queimar o passado,onde os móveis são tão descartáveis, e esta coisa parece contaminar também as pessoas. Imaginei que na cozinha dele houvesse um daqueles fogões à lenha enormes, cheios de panelas fumegantes, ao contrário deste meu minúsculo e frio. Pensei na sua noite com galos a cantar. Lembrei da vida que nem vivi, e da que agora nem queria viver. Talvez é por isso que eu goste de observar esses quadros alheios, mesmo de velhos que olham para o nada, que o nada deles pode ser algo mais vivo e ter umas crenças, uns vislumbres. Pois o meu nada quando baixa, me corta ao meio, me desfoca, me abate rente. Porque o aparente nada dos outros sempre nos escapa e dele captamos o exterior apenas, algum olhar perdido, um gesto de cansaço, mas de repente uma voz a chamar e um passo para uma história que desconhecemos, o nosso personagem entra para o seu mundo.
     Difícil é viver a própria insignificância , o nosso diário escrito sem palavras, o olhar de ontem, o de anteontem, gravados sobre a mesma e velha pedra que não se move do caminho.
     Mas abrir a passagem, ir em frente, é um risco de perceber que já não podemos voltar e a estrada  encurta rapidamente. Quando, também, em nosso trajeto, elástico espichado e atado ao tornozelo, a nossa prudência foi sempre este modo de ir sem ir.
     A noite é longa para um dia que não é esperado.
     Então o nosso silêncio grita.
 Esperneia. Sem outra presença, perdemos a noção dos limites do corpo, a cama vira um oceano onde muitas vezes tentamos não afundar,  agarrados ao travesseiro. O som da nossa voz fica guardado na garganta enquanto tentamos identificar nos raros ruídos da noite algum sinal de vida. E com o ouvido colado ao travesseiro, captamos as batidas do coração em eco, vida que começa e termina em si mesma, chama ardendo em altar desnudo...
           
                       

 

      

tania orsi vargas
Enviado por tania orsi vargas em 10/12/2011
Reeditado em 10/12/2011
Código do texto: T3382253
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