A ALMA DAS ÁGUAS E DOS VENTOS

Tempo de invernias. Os cerros, sombras ao longe, a perder de vista, derramam suas encostas líquidas. Engravida-se o rio: trastes, pedras, camalotes, a correnteza levando tudo por diante. Endemonia-se a alma das águas: margens, botes, barcos, canoas. A vida submerge à chuva, no gris dos ventos nos horizontes. Após a lufada de medos, bebe-se vida a largos goles de canha, limão e amarga indolência. Sobrevivente aos vômitos, ventos e maresias, o sol da bonança acomoda o coração das famílias. É um traste estar no mundo ante o poder da intempérie. O Demo parece não ter complacência. A solitária garça é um pescador triste sobre o tronco ágil na correnteza, mas o peixe não escapa ao seu longo bico e sua instintiva fome. Cada qual traça sua saga de viver. Costura-se a esperança nos retalhos do dia seguinte...

– Do livro SORTILÉGIOS, 2011.

http://www.recantodasletras.com.br/prosapoetica/3377594