[Um Certo Muro Branco]
Nada a fazer, estou indefeso diante dos meus sonhos. Tomam-me em suas asas e me levam a um mundo de imagens desconexas, um mundo de conteúdos vazios. E foi assim... Quando eu comecei a caminhar, os meus passos eram curtos, trôpegos, porém alegres. Eu me animava, eu cantava até... Mas via-se [não há como eu pensar que não estou sendo visto...] que eu incerteava por entre imagens hauridas de um mundo novinho, novinho, fruto da ingenuidade sonhadora dos meus cinco anos...
Ao correr dos dias, tomei tento: desde sempre, isto é, desde que eu pude ver os objetos ao meu redor, o meu olhar se esbarrou naquele muro branco... um susto! Por que um muro assim, alto, branco, de áspero reboco de pedriscos? Mas o tempo... ah, então, era um tempo de luz clara sobre cachos e cachos de flores amarelas, e eu pairava sobre a minha descoberta do mundo.
O enigma, de tão fácil compreensão nem é enigma, resolve-se assim, numa paráfrase mal feita do enigma da esfinge de Tebas. Ao longo do extenso muro branco, há três luzes de advertência sempre acesas para a consideração dos meus olhos: à luz do Começo, promessas mal divisadas, quase sempre adiadas para amanhã; à luz do Meio, via-me ainda carregado de ousadia, braços e pernas fortes, confiança num futuro impensável; e à brilhante luz do Fim, eu agora me via recurvo, carregado de presságios escuros, e de forte presença de finitude. Tudo muito óbvio... penso. Mas por que o muro branco? O sonho não me diz como enfiou este muro no seu desfiar...
Do lado de cá do muro branco, luz, sempre a luz de um dia radioso. E do lado de lá do muro, eu via vultos, sombras de construções escurecidas do tempo, sob as intempéries de décadas e décadas. Será que estiveram ali, desde o instante em que comecei a caminhada? Não me lembro, pois no começo, eu caminhava ao descuido, e acho que as sombras não estavam lá... E agora, por mais que eu me esforce, esta é uma resposta que o sonho não me revela... Ainda caminho do lado ensolarado do muro... até quando? Também isto o sonho não me revela! Sou um mestre em conteúdos vazios, areia seca ondulando ao vento da paisagem árida.
[Penas do Desterro, 30 de novembro de 2011]