A meu pai com amor
Estou no barraco do pai.
Sento-me na escada e olho a penumbra lá de dentro que vai clareando na memória em meu visor de agora. Ele me olha de um jeito que só eu sei, ele me sabe e me revisita, desço as escadas e sento-me à porta aberta de seu barraco úmido onde mina água para minhas muitas sedes. Onde magicamente ele me oferece a ferramenta necessária para não-remendos, e sim novas construções.
Ele puxa a serra que estava sobre o balcão de madeira engrossado de histórias e de seus silêncios deliciosos, de fumaças antigas das fogueiras de meus ancestrais, a índia velha de minha vó, e seu tossido de quem me diz algo em segredo... dentro da névoa do barraco eu o contemplo atentamente, ele me conta histórias em silêncio e o amo, não compreendo imediatamente, mas sei do que ele fala sem dizer palavras. Então, calmamente ele retira de cima do balcão a serra, impõe como uma arma de criar um mundo cheirando a novinho e coisas simples tão incríveis! com outra mão puxa a madeira grossa de se formar algo. Então com paciência e força, precisão e firmeza ele serra, serra, serra... a canção rec-rec-roc-roc-rec-rec, os flocos enevoam ainda mais a atmosfera, ele pega a lima e vai dando o acabamento na coisa...tudo cintila e dança, brilho nos olhos, mãos e braços em movimento, os músculos saltam e ele me inscreve coisas novas, preciosas criadas na paciente aflição de todas as coisas, do nada ele saltava, do escuro esquecimento ele se ilumina a mim, hoje e sempre em meu olhar e minha memória, e quando há o nada ele abre a porta do barraco e me chama, Sandrinha! E com seu silêncio de contar fábulas e criar soluções ele me chama e eu me volto para sua presença de viver mais.
O que ele disse? O que ele fez? O que ele construiu com a serra?
Só eu sei. Segredo meu e dele.