Jesus de Mercedes
"So bleed this hate with me and fight theses broken dreams."
Dizem que ainda há esperança.
Tentam me dizer que ainda há
Esperança na Humanidade.
Dizem que devo semear amor.
Tentam me dizer que devo
Com as minhas palavras
Fazer corações alçarem vôo.
Tudo bem, eu tento.
Vomito bonitezas
Bem articuladas
Num subgrupo
De internet.
Vomito poesias e cartas
Sublimes, idílicas, profundas;
Textos melancólicos carregados
De sentimentos sinceros que quem lê
Se identifica e sofre comigo e me ajuda.
Então, desligo o computador.
Caminho pela minha casa no amanhecer
Abro a janela e vejo meu gato se debatendo
Babando, tendo convulsões, todo cagado;
Corro, pego a chave, abro a porta e ele está
Morto. Envenenado. Inexiste. Foi-se.
Na plataforma do trem as pessoas se acotovelam
Antes que ele pare, e, quando pára, começa a guerra
De imprecações e empurrões e pisões e palavrões.
No trabalho eu tenho que fingir sorrir para ser aceito
No trabalho eu tenho que interagir para conquistar meu espaço
No trabalho eu tenho que conviver com gente que não suporto.
Nas avenidas abastadas com prédios de escritórios eu vejo
Camisetas pólos listradas com números nas costas
Com um recorte de um jacaré imbecil
Moldadas a músculos moldados a suplementos
Desfilando estonteantes diante de mendigos
Que comem carne de coco verde encontrado
Nas lixeiras das esquinas.
Em casa, à noite, cansado, atormentado, fatigado
Sou praticamente obrigado a ser diplomata e coagir
Com a necessidade premente de vagabundo
Fazer barulho com seus semelhantes.
Nas ruas do bairro eu percorro vinte metros atrás de um bar
E buzinas de carros com alto-falantes que tremem janelas
Passam rentes ao meu corpo sem o menor respeito;
Ando vinte metros e contabilizo vinte vagabundas analfabetas
Ou rebolando o rabo com shortinho socado ou pendurada
No cangote de passa-fome metido a Charles Bronson
(Como já diz a música).
Tendo encontrado lugar no bar, sento-me pronto
A mergulhar nas ondas da misantropia entre goles
Quando alguém senta ao lado e ignora meus fones de ouvido
E passa a dissertar sobre a rodada do campeonato de futebol.
Uma vez em casa, novamente, há os agregados pedindo
Liquidificador, papel higiênico, dinheiro entre
Uma reclamação provinciana ou outra da terceira gravidez
Em dois anos
Da filha caçula do vizinho da casa à esquerda.
E ainda há o telefone tocando
Com uma voz do outro lado
Em busca de atenção, conforto;
Em busca de um amor que diariamente
Me vejo tolhido de poder devotar.
E há a internet novamente
A busca pelo entretenimento
Sendo subjugada por festivais
De signos, de correntes de protesto
De vírus, de formandos em Humanas
Agindo como retardados mentais
E da cobrança por alguma poesia de amor
Que os faça esquecer de suas vidas miseráveis
Que os faça lembrar que a vida dos poetas
Lhes dá parte da força e a esperança necessária
De seguir em frente em mais um dia difícil.
E resta ao poeta dormir
Destituído da sensibilidade
Que julgam circundá-lo.
E resta ao poeta dormir
Mais uma noite
Abundante de sonhos
Desesperançosos e irrealizáveis.
27/11/2011 - 21h45
Walls of Jericho - A Trigger Full of Promises