[O Lento Corrupio da Vida]
Sendo chão, bem chão como sou, eu penso nos grãos de milho marelinho que eu enrolava num pedacinho de brim caqui que mãe me dava. Fazia um trouxinha com os grãos de milho, ajeitava numa pedra, e quebrava o milho com um martelo de 50 anos ou mais.
Eu, inconsciente de que o tempo haveria me sangrar devagarinho, quebrava os grãos de milho até obter um fubá moído, bem miudinho. Aí, sob o sol da manhã eterna das altiplanuras de Minas, eu podia observar o delicado trabalho de coleta dos bicos dos pintainhos recém nascidos da última ninhada.
Então, eu podia sentir, respirar o poder de vida que há no objeto da palavra "Grão", essa é uma palavra que me fala, me diz, me plange... Daí, vem que, desgranar, desgranar a espiga da vida que me rói é essa atividade quase insana de desfiar sonhos vida afora, debulhar devagarinho os grãos dos sonhos à beira dos caminhos onde ando. Eu preciso fazer o Grão voltar à terra, eu preciso... mas preciso p'ra nada, p'ra nada, pois nem mesmo espero a brotação acontecer, e já parti. O caminho seca atrás de mim; fecha-se? Será?
Nesses caminhos, eu sempre piso onde olho porque onde eu olho é o lugar que não contém, à moda de um conjunto vazio, aquilo que eu mais desejo. Onde olho eu? Aonde vai o meu olhar infatigável das litanias da vida, ou por outra, das bocas que me falam? As intersecções são as chaves da vida...
O que eu mais desejo sempre há de me escapar, e o que acontece a todo mundo não acontece a mim, pois a mim, quem me tem? É só a minha morte, é? Sei não, sei não.
A vida: um corrupio lento, lento... o cone misterioso que um certo bicho faz na areia... Tocando com o dedo num certo ponto, tudo se desmorona... Como o tempo, aliás... como o tempo em que a gente se perde de alguém. Por que, afinal, perder-se é necessário; é mais: é inexorável.
[Desterro, 20 de novembro de 2011]