O PRIMOGÊNITO
Madrugada, passos silentes pelo terreiro dá as boas vindas ao dia que aos poucos se aproxima,
espreguiçando-se ao largo.
Madalena geme no seu leito enquanto aguarda o nascimento do filho.A parteira ferve a tesoura numa panela velha de alumínio, arruma as poucas toalhas esgarçadas sobre uma velha cadeira, banha as mãos no álcool e espera. O sono passeia pelas suas pálpebras, fugindo a cada gemido de mulher que vai ser mãe.
Lá fora, espiando através da escuridão, Ariovaldo sonha com o filho que está vindo. Vê-se a brincar com o seu cabelo cacheado, pois há de ser igual ao da sua mulher,pensa ele, a jogar bola naquele "terreirão" que mais parece um campo de futebol e a iniciá-lo na vida do pé de balcão .
Não há ponteiros de relógios.Orienta-se pela escuridão,
pois a lua não quis sair nesta noite tão importante para ele. Será que ela está dormindo? pergunta-se mas não obtém resposta. O breu é pesado e denso. Tenta segurá-lo mas ele escapole e se derrama por entre seus dedos tornando-se uma poça aos seus pés.
Uma coruja pia do alto do abacateiro que fica nos fundos da casa. Ari sempre soube orientar-se mesmo no escuro. Um pássaro passa rente ao seu rosto. Ou terá sido um morcego? Melhor entrar, dizem que eles transmitem doenças que matam. Não pode e não quer morrer agora, será pai em breve.
Na sala, fecha a porta atrás de si, e esta range qual carro de boi despertando para a labuta. Chega perto do fifó e aumenta a sua chama.O casebre inunda-se de luz ao tempo em que se faz ouvir um choro a princípio débil para se tornar vigoroso, em seguida.
Nasceu seu filho! - ou será filha? Já não sabe mais, e que importa? Adentra o quarto de onde vem o choro do recém nascido , arrebata-o das mãos da parteira, beija a mulher e sai para o terreiro com o pequenino estreitado junto ao peito.
A lua brilha no céu; saiu para abençoar o seu filho. Era macho mesmo! faria tudo que imaginara,com ele, todas as brincadeiras. Ergue-o, num ritual semelhante aos índios e chora.A vida lhe abençoou e ele lhe é grato.
soninha