Foge comigo.
E ficava remoendo aquelas palavras
todas as que ele tinha sussurrado do outro lado da linha
as que ele arfava enquanto entrava e saía
todas as palavras que ele tinha dito com os olhos dentro dos seus
E ficava remoendo, mastigando aquele bolo de emoções sem fim
aquela miríade, a tempestade que era estar ali
tão dentro
tão desesperadoramente dentro que o copiava dentro de si
e o copiou tão bem, mas tão bem
que não houve alternativa
nem meias palavras, nem saída
ele estava mesmo ali
e a descoberta foi tão linda, pacífica, quase adivinhação
não precisava de nenhuma daquelas duas linhas
não precisava daquele parabéns
Simplesmente sabia
e saber daquilo, estar com ele ali dentro, era bom
E ficava remoendo, a ansiedade crescendo junto
já era túrgido, aparente
Era a felicidade não prometida dela
e já quase podia sentir
não que já não sentisse
em todos os poros
por todas as terminações nervosas já menos esquizofrênicas
em tudo
Mas chegou a hora em que devia falar
e declarou, sem mais
E doeu tão fundo
Silêncio
Sal
Doeu fundo
Continua doendo
E vertendo
Parece sangue, mas é só tristeza
E ficava remoendo
Parece choro, mas é só verdade
aquelas palavras
aquelas dores
todas elas
continua ainda
Lembrando — tortura eterna
foge comigo
quando tudo ainda valia a pena.