MANIFESTAÇÕES DISTORCIDAS DE UMA BÍBLIA ROMÂNTICA
São limitações que fazem raízes em meu peito, como um acorde louco de uma cantiga desfeita em retalhos de pano de um cancioneiro bêbado. São apenas lamentos de um lobo feroz que arrancou o coração com as garras da sanidade, deixando sobre a terra seca as últimas gotas do seu calvário. Prelúdios de uma inconfidência psíquica que andava cavalgando adormecida, sem cabeça, por entre os arbustos secos da memória suja, pérfida como um primo que não sobreveio ao trono do seu rei, desumanamente assassinado. E nessa fagulha absurda de tratados de dor, ergo minha taça vazia de vinho, manchada com meu próprio sangue, diante dos barões dos vendavais da alma, e sorrio tristonho, mas ainda embriagado pelo cinismo da minha natural corte. Quero, que por favor, me perdoem os métricos, os falsários de amor, os incontidos, os realistas e até mesmo as benditas damas que sonham com príncipes (nem tão) encantados; mas sou promíscuo demais para permanecer nesse baile de iguais, sentar-me à direita de um rei mascarado, nessa divina comédia previsível de horrores maquiados por amor rimado.
Prefiro, pois sim, ser um louco, um largado, uma besta fera das vertigens, ainda sedenta por palavras que ultrapassem o papel, que rasguem minha alma, que ceguem meus olhos e façam morada eterna em minha pele. Não apenas palavras sussurradas com uma determinada sacanagem gostosa que me faz gemer como um louco em pleno gozo, mas sim como um boêmio suado e ansioso por mais e mais bordel de amor. Essas dosagens de paixões não cabem em meu bolso imenso, quase que rasgado. Prefiro toda a devassidade das saias justas das donzelas maldosas, que guardam no peito um coração desesperado por romantismo, não apenas desse que encontramos em uma esquina qualquer, ou em um baile de máscaras, todos escondidos por imagens macabras, muito menos nos livros de Shakespeare. Prefiro, pois bem, ser o Casanova de cada vagina que queima, vibrando com a imagem da minha língua poética a deslizar por seus ultrajantes caminhos (pois, sou um devasso incompreendido). Esse arranha-céu de mordomia me enoja, tenho cá minhas repulsas, por isso eu uivo ao céu, em busca de uma dama que largue toda a métrica e valse nua comigo pelos jardins da sua própria casa.
Não apedrejem a minha face devido a minha honestidade absurda. Sou daqueles apaixonados que prefere sugar (hum…) tudo de bom que há no amor, no ódio, na paixão doentia que rasga roupa, que penetra, que faz filho, entre outras promiscuidades que me torna o próprio inferno. Não menosprezo essas manifestações distorcidas da bíblia romântica, não sou nenhum religioso, e nem devoto da fidelidade a um sentimento que fora reduzido a uma palavra tão simples, tão modesta: amor. Eu bem que queria, pois sim, ser considerado um revolucionário dos assuntos do coração, mas alguma maldita criatura, deliciosamente pecaminosa, roubou de mim as mais perfeitas rimas, deixando-me perdido entre a escuridão de uma solidão salgada e uma partida sem fim. Eu não existo em um ponto, não sou vento, nem mesmo o tempo, apenas fui sintetizado em folha seca ao mundo, que voa pelos mistérios dos sorrisos que escondem verdades, bebericando de fontes secas, gracejando faces que deveriam desenhar prantos de saudade. Eu sou a adaga afiada que ainda não feriu nenhuma alma, excetuando, de certo, a minha própria existência.
- Mais um gole, por favor.
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