Menino de saias

Alguns pensam ser tão mais fácil admirar o obvio. Quando entrei no ônibus hoje poderia ter admirado os olhos do rapaz de camisa azul ou as panturrilhas daquele cara malhado, mas me deparei com um menino de saias.

No principio olhei para baixo e vi um par de tênis surrados acompanhando a esvoaçante saia de estilo indiano. Muito inapropriado para alguns. Em seguida, mais acima uma camiseta defendendo a causa petrolífera e o cabelo estilo militar compunham a figura de um estudante de jornalismo. Muito instigante. Até este momento fiquei ali ao seu lado partilhando a mesma paisagem da janela, o mesmo lado e o mesmo metro de um ônibus qualquer. Até que então percebi os olhares dos outros passageiros em direção ao meu parceiro de viagem.

Alguém um dia me disse que não podia brincar com cavalinhos de pau. Naquele dia descobri a diferença entre ser e se deixar ser. Nunca consegui me deixar ser. Gosto de futebol e fórmula 1 sem deixar de ser feminina. Penso que ser mulher ou ser homem está acima de qualquer ritual arraigado numa sociedade hipócrita e separatista. O humano é muito mais do que um personagem plano em um folhetim das oito, é complexo, diverso e não se molda.

Os modelos criados para domar as pessoas é que tentam nos dizer quem devemos ou não ser e como devemos agir. Este modelo é que fez com que a roupa do menino fizesse mais sucesso com os homens do que a micro saia que a mulher loura logo adiante estava usando. O modelo de perfeição que oprime aqueles que por hormônios revoltosos não cabem no numero 38, e nem muito menos no infame 1,70m. O modelo de perfeição que mata a pau aqueles que escolhem Ser e não se deixarem ser pelos olhos dos outros.

Todos os dias pessoas ditas “diferentes” sofrem agressões verbais e físicas e vemos na mídia reportagens defendendo o direito do cidadão. Apaixonadas defesas contra a opressão ao gênero, o preconceito da raça, a intolerância da crença, mas a mesma mídia que faz este discurso é quem vende todos os dias estes modelos de perfeição inatingíveis, em um engodo que vai se repetindo geração após geração. Somos todos esta alegoria insana que insiste em arrastar-se por uma avenida sem evolução e ritmo, num carnaval de eternas contradições.

A humanidade está aqui para evoluir e não para encrustar seus olhos vazios no eterno possível. Caminhamos para a mesma oferta na vitrine do infinito e não vai adiantar reparar no alheio se seremos apenas nós mesmos na hora crucial. A escolha é quebrar o mito ao meio e com ele desenhar flores nas barras dos ternos e compor gravatas nos vestidos. Escolher o que usar através do simples desejo de usar, escolher quem amar pelo simples desejo de amar, não fugir do obvio apenas caracterizá-lo como bem entender. Assim seremos pequenos botões desabrochando nas saias de qualquer menino, despojados e felizes por sermos apenas aprendizes neste jardim de eternas saias justas.

obrigado ao jornalismo da UFMS

Gauto
Enviado por Gauto em 15/11/2011
Reeditado em 15/08/2012
Código do texto: T3337114
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