Que merda
Preciso dormir.
Preciso me acostumar a viver de dia.
Esquecer que a noite é fecunda e fazer-me de gente normal.
Acordada.
Desperta.
Formal.
Acontece que os versos, as prosas e cada palavra do dicionário
resolvem sempre nas horas altas
conversar dentro do meu cérebro.
Elas assumem suas vidas, dissolvem seus viveres.
Debatem seus significados improváveis e infinitos.
Exibicionistas, tiram-me da cama sem cerimônia
e me mostram o quanto são belos os seus caleidoscópios.
Eu, submissa, ouço, calada e quieta, toda a discussão.
Quando entra em cena o meu papel,
obediente, caneta na mão, não opino.
Apenas reproduzo cada volta, traço e pingo
de tudo o que elas desenharam no meu ouvido mágico.
São assim os quadros que pinto.