“Soneto da Antiga Infância”

Na época de minha infância, as nuvens eram montanhas, castelos, dragões, tudo era enfim o que os nossos olhos almejavam pintar. Na época de minha infância, sempre havia razões em não se buscar razões para sorrir, para brincarmos, para brigar e depois se abraçar e se perdoar. Nossa fé era mais pura e reluzente do que o ouro e o diamante, e ninguém duvidava de Deus. A escuridão da noite era armários e estantes repletos de monstros, mas também de curiosidades, de histórias mágicas do que se podia haver lá, e em nossos medos (que inebriavam nossa infância) corríamos para os braços de nossas mães e pais.

As árvores nunca eram só apenas árvores; as pedrinhas tinham tantos significados e propósitos, e os risos nas manhãs natalinas corriam pelas salas e pelas cozinhas com brinquedos e obrigados nas mãos, nos rostos, em todas as partes da casa, e somente havia a sintaxe das morfologias equacionais de sempre se estar feliz com toda aquela simplicidade tão rica e preciosa. Todavia, aquelas árvores deixaram de serem apenas árvores; oh Deus, meu Deus! As pedrinhas perderam seus significados e propósitos áureos, e os olhos não pintam mais as coisas, deixando as nuvens no céu continuarem a ser simplesmente meras nuvens no céu.

A escuridão externa da Noite se acasalou em nossas almas e em nosso ser formou tantos monstros mascarados que já nem sabemos mais quem somos. Nossas mães foram transformadas em outras mães, em outras representações para nós, criadas por nós. Oh Deus, incomparável Deus! Até a ti Senhor, o nosso Pai-Nosso já não é tão Pai, Já não é tão Paterno, e já não é nem tão nosso. Ganhamos tantas perdas, tantos celulares, tantas responsabilidades; ganhamos os adultérios de sermos e termos nos tornados adultos, e perdemos a saúde cristalina de nossa inocência até nos antigos palavrões, nas velhas confusões e artimanhas.

Na época de minha infância, eu possuía o universo inteiro em minha imaginação e nada em minhas mãos, e era humilde sem saber o que significava a palavra humildade, eu tinha a felicidade de não buscar felicidade alguma, e havia tantos amigos ao meu lado. Então veio a época das conquistas, da sede sempre faminta por conhecimentos, porém não me havia mais nem aquela linda felicidade imperceptível e nem mais amigos.

Hoje não há mais natais e nem chaminés e renas, apenas o dia 25 de Dezembro;

Hoje, não há mais tanta curiosidade pela própria curiosidade das pequenas grandes coisas;

A Lua não nos segue mais, e as constelações são apenas substantivos.

Os porquês e as perguntas agora são puros pragmatismos capitalistas.

A Páscoa agora exporta e importa só chocolates recheados com lucros, e os coelhinhos não reconhecem mais os nossos espíritos agora tão enfermos e fantasmagóricos. O canto dos pássaros não chega mais em nossa audição.

Só há agora a nostalgia dos quartetos e tercetos idealizados de quem fomos, do que éramos, do que poderíamos ter feito? De nossa infância, só restaram as lembranças congeladas na ampulheta abstrata de nossa memória tão fria de cálculos, normas e mentiras?

Nossos olhos, ouvidos e em nosso coração estão agora cada vez mais voltados para as faces dos relógios, e de seus números (impregnados de valorizações) que nos últimos milênios são a essência pulsante de tudo, e em tudo.

Gilliard Alves Rodrigues

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 05/11/2011
Reeditado em 21/12/2011
Código do texto: T3318379
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