RUA DO FIO (Além das minhas lembranças)
Ontem voltei à minha antiga rua
e quase não a reconheço mais:
- casas destruídas,
- casas descuidadas,
- casas abandonadas,
- casas bem cuidadas,
- novas casas erguidas...
Ontem voltei à minha antiga rua
e quase não a reconheço mais:
- não vi meninos correndo,
- piões girando no chão,
- pipas bailando no ar,
- não ouvi cantigas de roda,
- não vi fogueiras de São joão,
- assovios chamando a turma
para o banho no igarapé do Ora Bolas...
Ontem voltei à minha antiga rua
e quase não a reconheço mais,
não fossem pelos postes,
velhos postes ingleses,
que sustentavam os fios do Telégrafo
e que lhe emprestam a denominação
"Rua do Fio".
Ontem tive a impressão
que os velhos e heroicos postes de ferro
de tantos invernos,
mesmo enferrujados mas ainda em pé,
me segredavam baixinho:
- Ei! esta é a mesma rua
que foi tua quando em criança
mas hoje não te pertence mais...
Ah! os mesmos velhos postes
onde batíamos com pedaços de ferro
nas noites festivas do Natal, Ano Bom e Aleluia,
para demonstrar nossa alegria,
ou quando era eclipse solar
para despertar as plantas...
Acho que o tempo
transformou rostos, casas, fatos
e as crianças da rua do meu tempo
em telegramas
e, utilizando os fios do telégrafo,
os transmitiu com destino ao passado.
Hoje esses singulares telegramas
só podem ser lidos com as lembranças...
Lembranças da Rua do Fio,
rua com barreiras e sem asfalto,
com flores de salsa e capim alto.
Da rua que conheci,
que era minha e de outras crianças
e que hoje não me pertence mais
pois cresci, tornei-me adulto
e os adultos não possuem ruas
apenas moram nas suas margens...
Ontem voltei à minha antiga rua,
a Rua do Fio,
e descobri que ela não mais existe
além das minhas lembranças...
Bragança, junho de 1976