NÃO 'TOU NEM AÍ!

Não 'tou nem aí!

Só quero mesmo é cismar nesta noite,

sob o estrelado céu de Salvador,

como se, recostado na amurada da ponte do Sapucaia,

sentisse no rosto o vento frio que vem do mar,

ou ouvisse "COISAS DO VENTO",

coisas que só ele nos sabe contar

quando sabemos ouvir.

Como se meus olhos perdidos no leito do rio

vissem de repente a "BARCA VELHA" desencalhar

e descer a corrente em direção o mar

para uma nova viagem,

iluminada como antes,

levando os meus sonhos...

Longe da minha cidade só me chega a saudade

em forma de um "CANTO TRISTE"

que jorra da minha alma saudosa,

como saudosas devem ser as horas de "TUPÃ"

sem os cantos e os rituais dos índios do "CAETÉ"

nas festas do passado...

E como um 'PESCADOR" que retira peixes do mar,

vou retirando do fundo da minha alma

recordações em contas,

contas velhas e desgastadas

como as dos colares das marujas...

Não, não consigo sentir os encantos desta cidade

pois eles fogem celeremente de mim

cada vez que penso no "AMANHECER" bragantino.

Sei, são minhas "RAÍZES CABOCLAS",

profundas raízes que me deixam assim nostálgico.

Ouço um sino

e a mim parece que seu badalar marca o compasso

dos passos apressados de Tia Silvana,

a veneranda "CAPITOA",

rumo a igreja de São Benedito

para a "LADAINHA"...

Serafina... Serapião...

Vejo um mágico desfile de marujos e marujas sem nome,

rostos definidos, idênticos na idade avançada

e nas expressões de legítima fé...

Estou longe e só.

Não tenho cajuaçu e nem carnaval.

Assim, vou divagando

e comigo 'VAI QUEM QUER" nas asas do sonho

para ver o RANCHO DA NEGA" passar,

seguir a "BICHARADA",

ouvir a "BANDALAMBIKE",

curtir a 'PATOKADA",

falar de "AJURUTEUA" e então

..."gritar, gritar, gritar como um danado o seu nome"...

Aqui há inúmeros bares requintados

mas nenhum fica às margens do Caeté,

ou é chamado de "REX BAR".

Nenhum fica sob o coreto da praça

em frente a igreja de São Benedito.

Estou apenas esperando o momento de voltar.

Voltar para soltar meu corpo nas ruas

no fogo do carnaval;

soltar a minha alma na poesia

em busca de mais uma canção,

de um acalanto para Bragança...

Bragança, cidade tranquila,

cabocla ingênua e devota de São Benedito.

Mãe Preta que não me viu nascer

mas criou-me como seu filho,

amamentou-me com o leite de sua cultura

e de sua história.

Nesta hora, em que cismo distante,

só quero mesmo é abraçar no meu devaneio

todos os lugares que me são caros.

Quero fitar aquela bela estrela

que fica sobre o rio,

na direção do alto do Camutá,

e que tantas vezes me viu vagar à noite

até voltar para casa cansado

e finalmente dormir.

Quero pedir a ela um grande favor:

que nesta noite olhe para Bragança

e depois me segrede

notícias do meu grande amor...

Não 'tou nem aí,

quero mesmo é cismar

sob o céu de Salvador

esperando a hora de voltar...

(Salvador, 1979)