E DAÍ, QUEM SABERÁ?

E daí, quem saberá, se o que pensou ter visto, não foi apenas e tão somente, um lampejo de certa razão que se diluiu tão logo se fez consciência. É a transmutação das coisas, um nesga, um limiar de raio de sol, que, ainda não totalmente sentido, possibilitará a redescoberta de novos ares e pensamentos. Ah, os encantadores de serpentes, adestradores de leões e cães. Não sabem, todavia, um nada dessa nossa existência, e se postam feitos demiurgos de um tempo já não mais possível. Beberrões aos montes nos bares. Jogadores de dados viciados e parceiros da trapaça cotidiana. Floristas plantadores de alfaces, e negociadores de vidas no mercado noturno das cidades. À vida, nobres senhores. À vida, erguemos a taça e celebremos o rebento. Não às preces de senhoras boas e sânticas, e mães de filhas que já não sabem seus pais. Ah, magnânimas autoridades sentenciantes de castigos severos. Surdos e doutos senhores sentenciantes. Nada. Nada e apenas nada. Para Além do Bem e do Mal. E temos Aurora, o Caso Wagner e Crepúsculos dos Deuses. E às cidades, trôpegos cidadãos vão ganhar o pão, suado e sem descanso. E vem a polícia, mantenedora da ordem, não algema colarinhos brancos. Ao negro, a algema. À prostituta, palavras nada agradáveis. Então o que sobra? Apenas a poesia, a cicatrizar dores na alma. É a salvação dos inconformados. Dos depositários de sonhos e amores guardados feito diamante em baú. É a poesia na mais nobre das missões: não deixar que se deite à terra esperanças laboriosamente cultivadas. E aí, já se saberá, terá vencido a poesia o embate que se travou, entre os destruidores e os construtores de novos tempos. É a poesia a resgatar o que outrora já fora o futuro de novas promessas. E veio o futuro. E a vida, qual dique que rompeu e a tudo arrastou, não deu trégua e levou consigo o que se bradava o novo dia. E o futuro, que não se realizou, se tornou no passado que tentamos não repetir. Porém, se cabe à poesia a tarefa - como a chuva a molhar a terra para que novas sementes brotam e deem novos frutos -, de implantar renovadas esperanças, então, já não se poderá dizer que tudo estará perdido. Pois, enquanto existirem trovadores, poetas e crianças, todo dia será o futuro e novos tempos sempre serão avistados.