[Cacos de Pobre]
[Eu não crio nada;
apenas transformo em palavras
coisas do mundo que eu vi]
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Na prateleira da casa de gente pobre,
esses cacos de louça ajeitadinhos,
com quebraduras já escurecidas...
Essas pequenas latas de bordas amassadas
para não cortar os lábios,
preciosidades areadas com esmero,
o vasilhame de servir o leite com café!
Ah, e as vasilhas de alumínio já sem alça,
mas brilhantes de se pentear o cabelo;
as panelas de ferro, de alça de arame grosso,
todas pretinhas, pretinhas — limpíssimas!
[Na mais barrigudinha delas, cozinha-se lentamente
o feijão que ficou de molho desde ontem...]
As latas de bolacha doadas
pelo dono do armazém da esquina,
agora guardam os parcos mantimentos,
todas brilhantes, sem mancha alguma!
[Na lata do canto mais alto da prateleira,
guardam-se as quitandas assadas na sexta-feira...]
O que há além dessa pobreza,
qual o mistério da transformação
de cacos, refugos dos lares ricos,
em objetos essenciais do lar pobre?
O que é que os meus olhos não veem
na resumida simplicidade dessa prateleira?
O que é que tanto me comove até às lágrimas?
[... e da minha velha Minas, verte o mundo até hoje!]
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[Penas do Desterro, 23 de julho de 2001]