Como falar com o silencio?
Boa noite dona C.
Tento escrever esta carta tentando lembrar o primeiro dia que quis conhecê-la, e que vi no seu semblante uma pessoa risonha, feliz e serena. Tendo criado oito filhos é de se esperar uma pessoa cansada e desgastada pela vida, mas não, conheci uma pessoa que contava histórias e fazia colchas de crochê para as netas. Como à senhora só tinha três netas era fácil deixar de herança aquelas lindas colchas tecida à mão.
Um dia eu lhe disse que ia ter uma filha e queria também uma colcha, mas parece que de repente choveu netas pra senhora e neto acabou, lembra? Meu filho foi o ultimo neto que a senhora teve, depois só veio netas e foram mais seis netas, e muitos bisnetos.
A vista cansou e as mãos ficaram cansadas e as colchas foram substituídas por peças compradas em lojas.
Lembro das datas festivas que a senhora presenteava cada neto com uma lembrancinha, que ganhava vendendo leite para a vizinhança. Era um dinheiro seu e fazia dele o que bem quisesse. Não tinha neto que não gostava de esperar pela caixa de bombom na páscoa. Tem presentes que depois de um tempo faz falta às nossas lembranças.
Outro dia quando fui ao seu quarto fazer uma visita tomei um choque em ver a pessoa que a senhora se transformou, num ser tão frágil e tão pequeno. Fico me perguntando cadê à senhora?
Durante as perdas que teve sofreu tanto que perdeu a memória, teve um AVC, retornou a infância de seus filhos, retornou ao passado.
Cadê os sorrisos?
Cadê as lembranças?
Cadê as historias?
Perco-me em mim mesma tentando conversar e não ter uma resposta porque tem dia que a senhora nem sabe quem eu sou, mas tem dia que lembra que eu sou mulher do seu filho.
Como conversar com o silencio?
Ontem quando eu disse que eu voltava para lhe fazer uma visita a senhora me disse com a voz rouca por causa de tantos aparelhos “você volta mesmo?” e agora fico sabendo que a senhora piorou da crise em que se encontrava.
Ontem quando entrei no quarto e vi aparelho para comer, soro, e aparelho respiratório, tive uma sensação de perda, pensei porque não fui tanto a sua casa? Porque não conversei mais? Porque a senhora uma pessoa tão boa precisa sofrer tanto assim?
Quem a senhora esta esperando?
Despeço-me hoje, mas espero ainda vê-la com muita saúde... Beijos...
Obs. qdo escrevi este texto minha sogra estava viva, mas depois de algumas semanas ela veio a falecer.