Alguém
Alguém que me dê um cravo ou uma rosa
para eu colocar na lapela.
Alguém que possa ser indecente
sem ser vulgar, vil ou consumível.
Alguém que não goste de ópera,
mas que seja capaz de ouvir uma ária
sem reclamar ou bocejar.
Alguém que, do azul ao amarelo,
seja capaz de respeitar o cinza.
Alguém que faça de um beijo
na ponta fria do nariz
a carícia mais pontual e afetiva.
Alguém que faça em silêncio
o soneto que Vinicius invejaria.
Alguém que maltrate o idioma,
mas aconchegue a língua-mater
Como lhe convier ou aprouver a alma.
Alguém que vá do samba ao rock
sem constrangimento algum.
Alguém que, entendendo de inflação,
seja econômica e farta a um só tempo.
Alguém que seja matéria viva
e de essência inflamável.
Alguém que, na dor a mais,
seja cabeça pensa em meu ombro
enquanto eu lhe fizesse
canções de sortilégio
a capitanearem-lhe a tristeza
ou a gravidade das coisas.