Flor Idiota
Metrô treme o prédio.
Chumaço de cachos no espelho.
Arrancadas de articulados de dezoito metros.
Café. Café. Como se o café varresse meus pensamentos de mim.
Café frio num copo de plástico. Engendrando a azia, com meia janela aberta defronte ao maior chiqueiro da América Latina.
É tão fácil subir lá, percorrer o parapeito todo, de braços abertos, e optar pelo lado esquerdo ou direito.
É tão fácil deixar minha carne aos sabores da Gravidade; da Terceira Lei; do cimento queimado liso.
À direita no sentido Leste tem o vôo, pressão caindo, enzimas sendo quebradas pelos últimos momentos.
À esquerda no sentido Oeste tem a mesma coisa.
Estou na contramão de tudo.
Fiz um haraquiri e uma parte do meu corpo vai pro Leste pendendo pro lado direito enquanto a outra parte vai pro Oeste pendendo pra esquerda.
E vice-versa, com Norte e Sul.
Vou continuar detestando tudo, seja de qual lado for; seja de qual plano for.
Não sirvo pra viver.
Não sirvo pra fechar janelas de madeira.
Não sirvo pra não escalavrar ídolos procurando almas dentro.
Feito cachorro em casinha raspando as unhas.
Com o rabo entre as pernas, sacudindo panos sujos com a boca.
Correndo e batendo as patas no muro e dando rodopios.
Errando sempre.
Rosnando pra carteiros e balançando o rabo pra larápios.
Correndo atrás do próprio rabo.
Latindo pra própria sombra.
Com a visão soçobrando a cada minuto que passa.
Enquanto o Metrô, quinze andares abaixo, treme o prédio.
Carregando pecadores pra lá e pra cá.
Carregando o mesmo rebanho pro mesmo pra lá e pro mesmo cá.
Sempre.
Chumaços de cachos desgrenhados refletidos no vidro espelhado.
Da meia janela aberta, dando passagem ao ar morno da primavera.
Onde sou flor
Sem beija-flor.
Flor idiota
Sem beija-flor.
The Jealous Sound - Hope For Us
10/10/2011 - 19h45m