ASSIM NASCE UM ESCRITOR
No princípio é o silencio, vazio existencial.
Ele olha pra dentro, e se vê não igual.
Remexe suas gavetas, compartimentos escondidos, e se põe a arrumá-las.
Entorpece, e neste novo princípio, é o verbo.
Ele escreve suas poeiras, seus incômodos, suas agonias. Em poesia!
Poesia: coisas escondidas que precisam sair.
Gritos internos que teimam em eclodir.
Ai nasce à escrita de si.
E...
Gavetas de armário-existência remexidas, revolvidas de coisas mal resolvidas. Faz-se o principiar do olhar para o outro, sobre os outros e seus mundos aparentes, velados...
E agora vê a vida do lado de fora.
E, passeando com os olhos de dentro, vai compondo mundos, cegando olho físico e vendo melhor com “olho-ser”.
A mão, outra vez, escrevendo as agonias que vê...
De repente uma invasão.
Outro começo. Novo endereço.
Vozes, tantas... Ecoam fundamente da escuridão de sua mente.
Então luz se faz, e personagens aparecem como vitrais: muitos, ricos, incompletos...
Ai vem o comando... As vozes-personagens começam a ditar normas e usando o pensar de suas mãos, clamam por materialização.
O escritor se entrega.
E, na deleitosa entrega, fica a sua mercê.
E, não possuindo relógios, as vozes em vozeirio, acorda-o na madrugada, surgem no meio da estrada ou num banco de calçada e diz com imposição:
- Vai escrever sobre mim ou não?
Não dá para dizer não. É comando sedutor, encorajador, desafiador... Comando-amor!
O escritor, FELIZmente, obedece e escreve: num guardanapo, agenda, pedaços de papel, qualquer espaço. Assim! Sem hora e a qualquer hora.
Assim nasce um escritor!
Do princípio-silêncio, em princípio-verbo.
Não verborragicamente!
Sinteticamente, assim: primeiro o vê por dentro e escreve poesias de si, único personagem.
Depois, mais aliviado de si, vê o mundo de fora e escreve suas mazelas tangíveis e intangíveis.
E por fim a invasão. Portas abertas para personagens que pululam teu ser.
A casa-corpo se expande e agrega visitantes, montes...
Ganha identidades múltiplas, mutantes.
Transforma-se, sofregamente, continuamente, em mão que dá voz e vez há outras gentes. Ferozes, atrozes, ensinantes...
Um escritor é albergue e guarida.
É casa de muitas vozes.
Fazendo dele, porta voz!