SE TODOS FÔSSEMOS POETAS

Se todos fôssemos poetas falaríamos uma só língua

Saborearíamos o mesmo nectar

Ao lado das abelhas e dos colibris

Nossos lábios seriam adocicados

E nossa saliva lembraria o samburá.

Nossa voz entoaria a estridência da cigarra

O mesmo pulular ou o grito do sagui

E sobejaríamos o sal no lambedor das cabras.

Se todos fôssemos poetas ouviríamos do vento o segredo da chuva

Adormeceríamos no soturno sem sentir solidão.

Se todos fôssemos poetas contaríamos as estrelas todas as noites

Nos banharíamos com a argêntea luz da lua.

Se todos fôssemos poetas não mancharíamos os mares com o sangue das baleias

Nossas almas copulariam

Os rios fariam festas

Os raios nos acolheriam

Uma flor sorria ruidosa com um riso aveludado

As estrelas distantes ficariam enciumadas do nosso amor.

Dormíriamos sem temor

Despertaríamos sem preguiça, sem fome e sem medo

Iríamos ao riacho lavar a timidez

E retornaríamos mais renovados do que quem se banhou no Ganges.

Se todos fôssemos poetas contemplaríamos o sol a despontar

Sem medo do câncer de pele

Do buraco na camada de ozônio

Do augúrio da cartomante

Ou da cigana que leu em nossa mão suja e ferida pelo labor.

Se todos fôssemos poetas não pisaríamos nas serpentes

Não nos envenenaríamos com sua peçonha

Sentiríamos sua vontade de viver.

Se todos fôssemos poetas

Deixaríamos a capivara devorar nossa plantação

A ferrugem corroer nosso ouro

O chimpanzé andaria de mãos dadas conosco

Nos sete-palmos ficaríamos imaginando o que seria quando brotássemos.

Se todos fôssemos poetas não esperaríamos chover maná

Nossas lágrimas regariam os campos

E os gafanhotos poupariam nosso pomar

O amanhã não seria futuro, apenas um outro dia.

Se todos fôssemos poetas beijaríamos nossas namoradas

Amaríamos nossas esposas

Alimentaríamos nossos filhos como os pelicanos.

Joel de Sá
Enviado por Joel de Sá em 07/10/2011
Código do texto: T3263763
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