SE TODOS FÔSSEMOS POETAS
Se todos fôssemos poetas falaríamos uma só língua
Saborearíamos o mesmo nectar
Ao lado das abelhas e dos colibris
Nossos lábios seriam adocicados
E nossa saliva lembraria o samburá.
Nossa voz entoaria a estridência da cigarra
O mesmo pulular ou o grito do sagui
E sobejaríamos o sal no lambedor das cabras.
Se todos fôssemos poetas ouviríamos do vento o segredo da chuva
Adormeceríamos no soturno sem sentir solidão.
Se todos fôssemos poetas contaríamos as estrelas todas as noites
Nos banharíamos com a argêntea luz da lua.
Se todos fôssemos poetas não mancharíamos os mares com o sangue das baleias
Nossas almas copulariam
Os rios fariam festas
Os raios nos acolheriam
Uma flor sorria ruidosa com um riso aveludado
As estrelas distantes ficariam enciumadas do nosso amor.
Dormíriamos sem temor
Despertaríamos sem preguiça, sem fome e sem medo
Iríamos ao riacho lavar a timidez
E retornaríamos mais renovados do que quem se banhou no Ganges.
Se todos fôssemos poetas contemplaríamos o sol a despontar
Sem medo do câncer de pele
Do buraco na camada de ozônio
Do augúrio da cartomante
Ou da cigana que leu em nossa mão suja e ferida pelo labor.
Se todos fôssemos poetas não pisaríamos nas serpentes
Não nos envenenaríamos com sua peçonha
Sentiríamos sua vontade de viver.
Se todos fôssemos poetas
Deixaríamos a capivara devorar nossa plantação
A ferrugem corroer nosso ouro
O chimpanzé andaria de mãos dadas conosco
Nos sete-palmos ficaríamos imaginando o que seria quando brotássemos.
Se todos fôssemos poetas não esperaríamos chover maná
Nossas lágrimas regariam os campos
E os gafanhotos poupariam nosso pomar
O amanhã não seria futuro, apenas um outro dia.
Se todos fôssemos poetas beijaríamos nossas namoradas
Amaríamos nossas esposas
Alimentaríamos nossos filhos como os pelicanos.