Extremos
Madeiras pregadas umas sobre as outras, metais pintados para dar aspecto de novo e pessoas desgovernadas procurando a melhor maneira de ficarem mais confortáveis: estação de trem em reforma é sempre assim.
Nós nos abraçamos perto da catraca, na parte mais alta. Eu fui para um lado e ela para o outro. Na outra plataforma, ela me fitava com um sorriso que há muito não via; vez ou outra minha visão era interrompida por alguém passando à frente e eu retribuía o gesto com meneares de cabeças que não expressavam muito, mas falavam tudo.
Boina preta, calça jeans clara, camisa polo preta com listras brancas finas, blusa cinza - este era eu observando a moça na outra plataforma, a moça que outrora fora a minha esposa: calça social preta de serviço, sapato baixo da mesma tonalide, mochila colorida, coisa que não combinava com suas roupas. Parecia-me uma estranha. A distância faz isso com as pessoas.
Observava com saudade, tentando advinhar o que ela estava pensando; porque o olhar dela era de "vejam só...". Vez ou outra tentava fitar noutra direção para disfarçar, mas o efeito trator puxava a atenção dela para mim. Vi que após muito tempo separados, ela ainda me achava bonito, atraente, pois tinha certa admiração em sua expressão. Talvez tivesse pensado: o infeliz ainda continua belo. Infeliz por causa das mágoas que causamos um no outro. E sempre que os nossos olhares se cruzavam, meneava a cabeça positivamente como que se quisesse dizer algo para inflar meu ego abatido, eu fazia o mesmo, enquanto os usuários tornavam-se invisíveis à quietude da cena.
Eu olhava para a minha direita esperando que o meu trem viesse e ela olhava para a esquerda esperando o dela. De repente eles surgiram ao longe quase que ao mesmo tempo. Nós nos fitamos mais uma vez e ficamos pensando milhões de coisas boas por causa de nossa saudade até que as máquinas gigantes chegaram. Ocorreu-me que não era o nosso desejo: ela foi para um extremo e eu fui para o outro.
28/09/2011 9h49