quando um certo véu
encobre o dia
E assim escorrem as horas mortas se esgueirando pelos vãos das nossas inquietudes. Evocam nossos mais escondidos refúgios e parecem delirar suores das profundezas da alma, revelações súbitas de almas libertas.
As paredes querendo mover-se crescendo ou se retraindo, as portas nos olhando com seus olhos de trincos inquiridores, o corpo lasso fugindo do sono e a cabeça a mil. Então a alma sai pela boca e sobe em flecha, fuga de pássaro em busca de liberdade. E a gente sobe mais e mais e não há entraves, não há mais chão nem céu, nem mar, somente este ir e ir alucinado. Ah esta música, ah, este Concerto de Varsóvia a me tomar inteira, música divina cujas notas escrevem mundos, escrevem fugas e tantos anseios indo, luas insinuadas, verdejantes palmeiras e a gente querendo gritar e rir e se esvair... Meu corpo prisão, aonde me levas, ah este corpo que ora abandono por estas mãos ao piano, as mãos que dizem que é possível transcender a morte, que morte, que morte é esta que agora não existe, não neste meu momento! Não quando descubro que na tua voz ainda há este canto secreto e belo, este aconchego aonde eu me recosto e sonho, esta tua voz de todas as sonoridades que tangem a minha alma torturada, e eu choro, choro por mim, por nós, por não saber falar, por não ter o gesto que te alcance, nem o tempo, nem vida que chegue a tempo. Choro como quem se derrama sobre os campos, chuva grande sobre a natureza.
Depois o dia raiando, vem como um incômodo. Invasor deste universo paralelo, deste mundo forjado em êxtase e vinho. Dele despenco, peso morto, deserdada e preplexa, para finalmente dormir.