Ponte Preta

Sigo a linha, a linha do trem.

De longe vejo a ponte imponente e sigo.

Estou tão próxima, não quero atravessar a ponte.

Ela é um enigma que me chama e atrai.

A linha me leva a ela,

devagar, bem devagar aproximo mais.

É tão enigmática, tem todo um fascínio.

Chego bem perto e sigo, estou no meio da ponte.

Em baixo dos meus pés estão os trilhos,

em baixo dos trilhos o braço do rio.

E rio tem braço?

Tem sim, este passa em baixo da ponte.

E o que me alucina e fascina está lá em baixo.

A água que corre de baixo da ponte.

Onde ela vai?

Não sei, é um mistério.

E tudo que me separa daquele fascínio é a altura.

A altura da ponte.

Tenho que me livrar da ponte, ela é preta, sinto arrepio.

Olho a água e ela corre, escorre ligeiro.

Penso.

“Ela está correndo com medo da ponte”.

Também tenho medo, não gosto da ponte.

Quero correr.

Ouço um som de apito, o trem se aproxima.

Olho para baixo vejo a água.

Ela continua correndo da ponte.

O trem surge na curva da linha da ponte.

Não entro em pânico por causa do trem.

O meu pânico é a ponte.

Ouço o som estridente do trem.

Subo na estrutura de ferro da ponte,

dou uma última olhada para o trem.

Abro os braços e salto.

Percebo que a distância entre a ponte

e a água é a chave para a sensação mais maravilhosa que já senti.

O som do trem passando em cima da ponte fica distante.

Sou somente eu percorrendo a distância que me separa da água.

Estou livre, totalmente livre. Chego à água.

Meu corpo toca na água e com a velocidade em que caio vou

bem no fundo me esforço e volto à superfície,

com um grito preso na garganta.

Ofegante procuro o ar para encher meu pulmão.

Estou maravilhada.

É uma sensação inebriante.

Encho o pulmão de ar e grito.

Aaaaaaaah! Delícia de salto!

Deixo então a água me levar

olho para a ponte e vejo que ela está distante.

Respiro fundo, sorriso largo nos lábios...

e deixo a água me levar para longe da ponte.

Jacinta Santos 26/09/2011

Uma frase que explica esta prosa poética é essa "No fundo, sabemos que o outro lado de todo o medo é a liberdade." (Marilyn Ferguson)