DIÁLOGOS COM O CORPO
Tirando a Roupa no Melhor Estilo
(trecho de crônica de junho de 2008)
Adorei a forma de você dizer que eu não preciso ser tão disfarçada ao te mandar beijos, que, sendo homem e mulher, podemos ter um diálogo de Adão e Eva, de corpo inteiro, e não da cintura pra cima. Despir-se de toda hipocrisia tem sido a coisa mais difícil pra maior parte das pessoas, e, enquanto umas se escondem das outras, todas guardam inúteis segredos de verdades comuns a todos os mortais.(...) Pra nossa suposta segurança, carregamos uma grade de isolamento invisível mas eficiente em amarrar braços e pernas.
Desfraldei a bandeira anti-reflexos condicionados estraga prazer. Pois estou aprendendo a encarar a vida como um atraente jogo onde não deve haver lugar para a culpa. E compreendendo, no mais profundo de mim mesma,que jamais a dignidade de uma mulher, bem como a do cidadão contemplado com a visão de suas intimidades, localiza-se no detalhe anatômico do seu entre-pernas.
A CONQUISTA DO PRAZER
(trechos de crônica de junho de 2009)
Explorar o mundo exterior e reconstruí-lo dentro de nós, pode trazer momentos de puro deleite contemplativo. Tocar a vida sentindo nas mãos a vibração de outro corpo ainda é uma experiência incomparável. Sem temer excessivamente, é preciso sempre arriscar mudanças onde faz-se imprescindível sujar as mãos na terra do desconhecido.Correr riscos reais é o que torna a vida vibrante, molhar os pés nas águas do perigo faz o sangue correr mais rápido nas veias.
UMA AUTÓPSIA SEM BISTURI
O corpo às vezes se finge de morto entre os lençóis nas noites frias, outras se faz despercebido quando não queremos vê-lo no espelho e passamos sem olhar. Ainda outras, se cobre de tanta roupa para que não fique nenhum vestígio de humanidade e isso muitas vezes nos dá uma trégua da visão da nossa nudez sempre perturbadora.
Estando com ele o tempo todo, mesmo assim tentamos não ver que é isso o que realmente somos, e ainda e sempre nos surpreendemos na fotografia ou dentro do espelho sob uma luz reveladora. Um corpo humano, máquina perfeita. Máquina? Diria um milagre, como a natureza que vimos teimando em consertar, e a destruindo. Em aprimorar, desconhecendo as suas mais elementares forças e mistérios.
O corpo a corpo de nós com nós mesmos acontece muitas vezes como quem esbarra e no susto vê então a cor da pele, um sinal, percebe os pêlos, a gordura acumulada. Encarado na sua superfície apenas, nele tatuamos com as cores da fantasia. Reduzido a simples objeto do desejo, é fogo fátuo e se esboroa ao toque da realidade de um sol a pino.
Vagantes e viajantes de um tempo finito, é mesmo difícil se ver um todo perfeitamente acabado, os nossos exatos limites que muitas vezes podem se expandir, em momentos de êxtase, mas também sob a opressão dos sentidos e de sentimentos angustiantes podem se encolher e como poderosas mãos invisíveis, apertar a nossa garganta.
Passeamos a nossa individualidade arrogante sob guarda- chuvas, óculos escuros, dentro dos carros, à sombra protetora das instituições, ao abrigo da acomodação e andamos a passos rápidos nos vaivéns tresloucados marcados por muitos relógios e infindáveis momentos de ações superficias e desatentas, alegrias fugazes ou tédio.
Crucificado, vilipendiado, condenado por séculos de opressão, o corpo ainda é o nosso maior desafio. Exposto em outdoors, fotografado, fotochopado, vendido a todo preço, no atacado e no varejo.
mercador e mercadoria
mão que bate
voz que acaricia
força e desgraça
pelas mesmas vias
O corpo por nossa força e descuido, é também ferida mal curada, sorvedouro, estorvo e às vezes êxtase, autofagia quando devoramos dia após dia os nosso próprios detritos e subprodutos de remoenças e mágoas.
O corpo, feito escravo de um senhor exigente, sofre duros castigos nas travessias, arrastando correntes de apegos, ilusões e medos, buscando a estrela distante com braços curtos.
E gemendo e clamando por justiça, oras, não sabeis então em que mundo vives, acaso és parvo ou tão inocente?
Que o corpo assim aprisionado nas arapucas desta selva desumana é refém e carcereiro das suas próprias crenças e veleidades submissas.
O corpo, por tudo que dele temos feito, se torna, de antemão, reduto vencido. Mas será também, por sua própria força e engenho, criatura e criador do seu destino.
Em 20 de setembro de 2011