O herói (II)

Ele rasgou sua bandeira desapontado e viu que havia conquistado um deserto, neste caminho tortuoso; onde antes deveria ter ido pras bandas longínquas conquistar florestas com macieiras, com pedras de farelo de mel.

Naquele momento pensou, talvez, que deveria ter sido sempre um alfaiate; viver entre linhas, atrás do galpão, ouvindo os sinos, sentindo o cheiro dos grãos, ouvindo o barulho da linha trespassando espesso tecido, sentindo o cheiro de madeira do balcão onde apoiava os cetins, a juta, as agulhas e o ranger, o estalo metálico da tesoura e da escada de seu "armazém" quando alguém descesse por ela.

Ele, no alto daquele morro de areia, parou e olhou para trás vendo aquelas outras dunas e lá pras bandas longínquas de além de lá, os galhos retorcidos como numa caatinga. A sede e sua sujeira completavam o quadro: o suor se transformava em vapor , que esquentava ainda mais sua face rugosa pelo Sol escaldante de acima da última e "inavistável" montanha. Algum sino badalava em algum lugar o horário que não sabia.

Abriu seu cantil cheio d'água e bebeu um pouco daqueles goles quentes com sabor de água. Fechou-o, o único barulho dali era do atrito maciço da rolha pressionando a boca da garrafa e daquele zunido trazido pelo vento de uns poucos cavalheiros perdidos ao longe, riscando suas armaduras na batalha, naquela mata seca. Um pequeno ranger de metais vez em quando. Sentiu o suor escorrendo às faces, indo até o pescoço , como se uma pequena aranha corresse pelo seu rosto e após, desaguasse no peito. Seu suor pingou na areia como uma gota de sangue esquecida de sua memória. Umas pequenas feridas ardiam.

Pegou a bandeira que havia rasgado com suas mãos empoeiradas e enxugou o rosto. Suspirou... expirou suavemente, um vapor saia de sua boca acompanhado de pedaços de palavras. Estava cansado.

Neste momento o Sol estava num laranja indizível e enorme atrás do horizonte e uma calma apossou-se de sua alma. Seu corpo enlameado e cansado, pesado... e... vagaroso naquele deserto. Sentiu , então, a brisa e uma vontade concreta e crescente que brotava dentro de seu peito, por estar naquele momento em plena PAZ.

Mais pra perto da última linha das linhas do horizonte e perto daquele Sol fervente, lá longe à légua e léguas, havia uma família de ciganos que nunca iria conhecer sua história.

Denis Acorinte
Enviado por Denis Acorinte em 24/09/2011
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