[Cavalga-me a Noite]
[Isto foi lá, nas bandas do antigo Goiás grande... andanças antigas!]
Transtemporalizo... viagem... travessia! E aquela paixão de pessoa foi embora... Eu me narro assim, intencionalmente meio desordenado, nessa rara mescla de sonho e de pedras duras:
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Em Goiás, a Noite quente cavalga-me! Vejo-me sem rédeas, sem freios, à solta, e no galopear do desejo incontido, perco-me no escurão da noite. Em Itumbiara, fronteira com Minas, eu, tornado em cavalo da Noite, de ventas abertas, troto na subida da Rua Benjamim Constant... Com pouco, somem as pedras do calçamento, raleiam as casas, diminui o movimento, as luzes tornam-se esparsas, e eu ainda sigo rua acima...
Agora, é o grande ímã da noite que me arrasta Rua Benjamim Constant acima... Ah... a descoberta da paixão intensa, essa máquina infrene que tripula o meu corpo rumo a casa da fêmea do sexo ofertado! Cavalga-me só a Noite... conduz-me o ardor do sexo em noite quente!
Essa paixão me devasta... Só de pensar no quente molhado daquela mulher à minha espera, pulsa o desejo em minhas veias! Mas num súbito desapego de tudo, do mundo, eu penso também na morte — agora, eu me sobrevoo, estou longe, bem longe de mim! Mesmo assim, deixo-me levar pelas rédeas do impulso do sexo; apenas sigo, pois sei que ela está à minha espera...
Ah, a tocaia na curva da rua... o assalto da Morte... sim, é uma lástima, mas eu respiro... a morte! Para estranheza maior dos meus pensamentos que tentam se arrumar ante esse assalto, justamente agora, na prelibação do prazer, a Morte, ou o sentido do rumo da Morte, pousou, feito uma ave sinistra, nos vagos da minha mente! E por que, por que... pergunto perplexo! E será que Ela veio no mesmo trem, ou no mesmo vento que me trouxe a Paixão?! Ah, os velhos trens de Minas...
Será hoje o dia de cumprir o meu desejo por aquela mulher, ou o dia da Outra, a Morte, cumprir-se, enfim, sobre meu corpo? E esse vento em minhas narinas... será o vento dela, quando chega perto da gente?! Doida, a Morte venta... venta medos?! Quem ficou sabendo a resposta, não pode dizer nada!
Porém, eu fui, e gozamos a noite toda... até o alvorecer, e Ela não veio! Tanto que estou aqui, narrando essa minha estranheza... será que Ela cavalgou a mesma bruma, a mesma neblina da madrugada que levou embora aquela minha paixão de mulher? Sorte minha, pois dizem que a paixão até mata... mas eu estou vivo, e pronto para... adivinhem!
[Naquela noite, lá no antigo Goiás, não me faltou coragem: eu paguei pra ver... e vi mesmo! Mineiro atravessou a fronteira, mas não foi de graça!]
[Penas do Desterro, 06 de novembro de 1998]
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Excerto do meu Caderno 1