[Ruínas: Securas e Silêncios]
[Porque o único sentido oculto das coisas
É elas não terem sentido oculto nenhum - Fernando Pessoa — ... principalmente se forem coisas sonhadas — digo eu!]
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Nas ruínas, o silêncio não enseja a voz, a fala e nem o ato; o calor atroz exacerba o cheiro meloso do capim invasor do pátio das ruínas, e cria uma vontade de galope.
Contemplo as colunas quebradas, olho as mensagens que as mãos mortas deixaram gravadas nos blocos de pedra. E pelos umbrais já sem portas, o vento, sopra de leve os meus cabelos... Em tudo, o tempo se estabelece pelo meu olhar interrogante; e no entanto, sou nada diante do tempo...
Mistério... A opressão do peso do silêncio e aquela trama do tempo que, apenas pela força do meu olhar, emanam das ruínas, me transportam: subitamente, o pátio se enche de gente, há agora um comércio rudimentar ali, um burburinho de mercadores e clientes, cavalos atados, aves em gaiolas, surgem alguns cães, crianças correm e vêm os fiscais e coletores de taxas... por que eles?
Porém, o zumbido de uma mosca aturde-me os sentidos e quebra o mistério, ou a minha relação com o mistério: agora, o pátio está vazio novamente! A mosca voa sobre os muros quebrados, as altas touceiras de capim-navalha, e voa, voa... voa até que o zumbido se perde no ar, some dos meus ouvidos...
Restaura-se, por instantes, o silêncio; mas dura pouco, pois novamente, o pátio se agita, reaparece a feira, o vozerio dos negócios, os gritos, e até os coletores de impostos voltaram e percorrem a feira à cata de subornos.
Novamente, para meu aturdimento, volta a mosca; agora, o zumbido se alteia e incomoda, ela volteia sobre a minha cabeça, tento espantá-la, sem sucesso; mas... estranho... onde foram todos? As pessoas, os animais de tração, os cães, os coletores de impostos, todos tragados pela voragem de silêncio que o voejar da mosca realça.
Agora, paira o silencio apenas quebrado pelo zumbido insistente da mosca e tremem as ruínas ao sol da tarde, brancura de taperas abandonadas sob o sol das invernadas...
[Nas ruínas, eu marquei um encontro comigo, paguei p'ra ver — e não me achei! Ainda bem que eu não sou responsável pelos sonhos que tenho!]
[Desterro, 20 de dezembro 1997]