[O Retorno do Olhar]
[Na trilha da Invernada da Cachoeira - Memórias da Fazenda Barreirão]
O meu olhar ilumina as duas bandas do tempo... Falo agora da banda de lá, e era assim:
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Ficou ali, estacado, desde a enchente do ano passado. E atrevo a dizer que ficou para ser encontrado pelo meu olhar. Ou, para ser olhado por outro sujeito que também perde o seu tempo com coisas inúteis, coisas que todos viram, pisaram e largaram pra trás.
Eu o via quando passava a pé, ou quando passava a cavalo. Melhor se visto do cavalo, pois aí, eu entrava na água, sem molhar as calças, e enquanto o cavalo bebia, eu, inclinado no arreio, podia vê-lo de perto. Podia ver melhor a sua agonia a cada vez que vinha uma enchente, depois vinha o sol brabo, e lá ficava ele, branco cinzento, lavado, esturricando ao sol bem no meio do aguão amansado do corgo.
Eu contemplava o volteio da água em sua haste fina... meu olhar se consumia ali, naquela parte em que a água subia no pau seco, e fazia um escuro molhado, coisa pouca... E nada de escapar... só um balanço suave, de nem incomodar passarinho miúdo que pousasse na ponta seca... nada de ser levado corgo abaixo, nada de ser aliviado do destino de ficar estacado ao sol, no meio água. Sede, pelo menos, não passava... mas de que adianta a Natureza dar de beber aos mortos? Era no que eu pensava, quando, sentado horas a fio com a minha varinha, eu ficava pescando bagres... mais contemplava a balouçante haste estacada n'água do que pescava!
***
Agora, arremato com o meu olhar da banda de cá do tempo. Como pode uma imagem dessas permanecer na minha mente? Ficar ali, oculta, sorrateira, e vir à luz, como os bagres que, lá do fundo barrento do corgo, vinham no meu anzol? O que fazer a respeito deste pau de enchente, que contraria o que dele se diz, que para aqui, para ali, mas desce na correnteza... um pau de enchente que não vai embora com as águas?! Mas, e as águas... não deveriam elas trazer o esquecimento?
Sei nada... não sabia antes na vigência do olhar da banda de lá, e sei menos ainda quando lanço o olhar na banda de cá do meu tempo.
Parece que o problema é a gente viver muito, muito... ficar esturricando, definhando ao sol das vistas dos outros... Eu, hein? Sei nada não! Desconfio que o meu olhar só retorna à banda de lá para carrear agonia para a banda de cá...
[Desterro, 20 de setembro de 2011]