Vento no canavial (a Miguelópolis)

"Tenho corpo e labor em outro lugar

Mas foi lá que meu coração nunca deixou de habitar."

(Lou James)

Grandes são seus mitos, foram reais as suas lendas

Suas ciladas, que cresceram nessas trilhas como matos entre fendas

R.I.P. Vicente Saci, Cabeça Dela, Adalgiza e o Mudinho

Japonês do alho e tantos outros de vida desgraçada

Olhando para trás, eu os aceito, a verdade está na terra

Desolada, vermelha na imensidão, descansem em paz, consolação

Deixem-me descansar também, estou farto de nadar nesse grande rio

Que ainda mata e só a minha sede é que não morre

Os que correm, são pneus enormes e deixam rastros fofos

Seu silêncio é tão breve, difícil perceber e explode como rojões

Todos os dias, segundas-feiras, sábados, domingos e dias de eleições

Explodíamos a caminho dos ranchos, sensações no relevo plano

Naquele tempo, era-me bom vivê-la, isso é certo e não me engano

De bicicleta, à Cabeça do Boi, entre os algodões do Ivo Queiroz

Os feijões do João Tadeu, margeando o Rio Grande

A Algodoeira do Mate Moisés, as casas de aluguel do Sr. Joel

Porto de areia, ranchos e roças, córrego do atalho

As terras dos Barbosa, a chácara do Quinzinho e as casas do Salim Miguel

Nas palavras, da velha cerâmica, telhas e nem a chaminé nos restou

Tudo foi demolido, inclusive os meus sonhos

Mas os cachorros... Ah os cachorros!

Proliferam-se como ratos e estão por toda parte

Eu ainda sou seguidor da liberdade e nunca houve tempo tão bom

Seu povo me mostra que a pobreza é mais rica do que a riqueza

Sua democracia é baseada na avareza

Depressões, suicídios, envenenamentos frustrados, deslizes, gritos insanos e dores do parto

Nascem e morrem, a juventude, a força, o fascínio e a decepção

Por obséquio, eis que surgem novos dias, novas ambições, falcatruas e risadas burocráticas, pois não

Dias e noites, traições são trazidas pelos ventos vindos do canavial

Que a rodeia, suas terras nutrem fogo e ignorância

Não há mais soja, sorgo ou algodão, talvez um pouco de esperança

Como é grande a riqueza e a pobreza da cana-de-açúcar, da cachaça em abundância

Grande é a velhice sensual e sedutora como aquela casinha na roça

Quero saber, desde criança, o que há lá dentro...

... Será que dentro dela há truculências, falsos planos, promessas vãs?

Onde estará a riqueza de sua alma, sua cultura e educação?

Seu orgulho e seu amor, onde estão?

Da cidade ao lado vem o emprego e seu sustento pela Usina Colorado

Trabalho diurno, trabalho noturno, o sono bate, o olho arde

Na madrugada negra, ainda faz-se tarde, muito tarde

É hora de tentar dormir um pouco, em silêncio, escondido, sem alarde

*Miguelópolis é uma cidade do nordeste do Estado de São Paulo,

onde passei meus primeiros vinte anos.

Marciano James
Enviado por Marciano James em 17/09/2011
Reeditado em 17/09/2011
Código do texto: T3224482
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.