[E de Todas as Horas, a Cinza Fina, Fria...]

O tempo,

esse inexistente que eu crio

apenas com o meu olhar, me fez assim:

cada vez mais desconfiado do que penso saber,

cada vez mais necessitado de silêncios,

e cada vez mais perceptivo da inutilidade de falar às pessoas.

O tempo,

essa avantesma do meu olhar ansioso e mortal,

girando sobre seus circuitos sempre misteriosos,

trouxe-me [de volta] um dos sentidos primitivos das minhas mãos:

comer... comer com mãos, partindo os alimentos em pedaços,

apanhando o bocado simples do meu sustento.

O tempo,

essa lubrificação com que o meu olhar faz correr os dias

mostrou-me que escrever é lançar cordas sobre abismos,

é estender tentáculos sobre a face escura do nada... e para nada!

Não há deus, não há ser que me salve de mim mesmo: sou abandono...

O tempo,

essa consumição de meu olhar em vazios celestes,

trouxe-me [de volta] algo que eu havia perdido:

a clara noção de que os desertos não me devolvem a voz,

e que a secura de tanto falar é perda, é desutilidade...

O tempo,

essa pesada mó, essa máquina infernal de destruir sentidos

que o meu olhar tenta, em vão, instituir no mundo,

ensinou-me que a solidão é incriada por todos,

é vício, ou é destino natural da espécie humana,

e só os loucos, os alienados não a sentem!

O tempo,

vem do Nada o olho-do-cu desse redemoinho

que sopra, eternal, na Grande Avenida da minha infância...

O Tempo, implacável ginete desse vento,

tem me ensinado que eu só fabrico inutilidades,

e que, de todas as horas minhas, só faço cinza fina, fria —

os que se aproximam de mim que se cuidem!

[Penas do Desterro, 12 de setembro de 2011]

[PS... tá bom, tá bom, mais tarde, se eu não te esquecer,

eu vou pensar nisto. Por agora, deixa assim]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 13/09/2011
Código do texto: T3217235
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.