Memória viva
Busco o menino de outrora. Aquele que passava a tarde em árvores a roubar o doce das frutas, que contava fantásticas estórias a si para depois interpretá-las. Aquele que era forte, valente e fiel. Que soltava pipa, jogava peão, bola de gude e não se importava com a ferida na ponta do dedão do pé ao jogar futebol. A criança que tinha medo do escuro, mas enfrentava-o. Aquele que era feliz como um pássaro em revoada, que nas longas noites sem vontade de dormir buscava em seu imaginário o homem em que se tornaria, idealizava-o humano. Hoje vejo que não sou o humano ideal, pois me tornei fraco, covarde e infiel a mim mesmo. Ah! Se eu reencontrasse o menino de outrora, quem sabe ele teria uma palavra para me consolar, quem sabe ele me ensinaria a ser como ele é, ou não me dissesse nada, apenas me olhasse e chorando dissesse “não serei assim”. Nessa viagem ao passado, vasculhando as memórias, percebo que o menino está dentro de mim e não fora, ele mora no lugar mais recôndito do meu ser, está adormecido com vergonha em ser eu em algum lugar no futuro. Então o eu do presente acorda a criança que dorme entristecida. Ela, ao acordar do seu sono profundo, me olha com ternura e diz “pensei que não se lembraria mais de mim”.