PARECE QUE FOI ONTEM

Parece que foi ontem,

mas foi mesmo há muito tempo...

Uma manhã apanhou-me desprevenido

e lançou-me a sombra grata de uma árvore gigante

sobre umas folhas em branco, à minha frente,

à mesa de um café.

Depois disso escrevi-me em manhãs,

todas quantas pude.

Escrevi-me em passos hesitantes

pelas alvuras exigentes dos papéis,

que sempre me iam encontrando como sou:

- de olhos quase vagos e quase atentos,

sentindo em redor, como se olhasse.

( Um adulador de detalhes, na opinião de alguém. )

Escrevi-me dispersamente,

espalhando-me pelas histórias

que tantas outras mesas me contaram,

se sem saber que procurava repetir

a força avassaladora daquela primeira vez,

quando assim me vi, face á sede inesgotável

do papel em branco.

Escrevi-me em instantâneos dos outros,

que fiz meus.

Foram segredinhos, surpresas e rompantes,

talvez partículas de passados

a que dei formatos e sons,

presença numa qualquer história

- que existiria mesmo sem mim.

Escrevi-me em rituais estereotipados, sofridos,

escolhas necessárias, tudo em nome de algo

que um dos meus futuros possíveis

pudesse eventualmente exigir-me um dia,

quem sabe...

Mas o futuro tardava a chegar,

e era incerto que o identificasse

como sendo o meu...

Então, parece que foi ontem,

mas já foi mesmo há muito tempo,

que me escrevi em passos lentos

pelas muralhas da cidade,

e em todas as fachadas brancas

das casinhas sorrindo para o sol;

E em cada rua calçada de pedras antigas

ecoando vozes de crianças;

E em todos os cais,

e no ruído quente de todos os bares,

e caminhando ao caso nas noites

que os outros evitaram receosos.

Em tudo isso me escrevi,

com um olhar de adeus

onde havia uma lágrima

que humedeceu outras terras,

muito além do solo onde cravei os pés.

Escrevi-me em cânticos inúteis

de louvor a valores desnecessários,

e em registos de memórias merecendo serem vagas.

Escrevi-me em buscas que jamais terminarei,

e em sonhos que jamais saberei parar de sonhar.

E parece que foi ontem,

mas nem terá sido há tanto tempo,

Que me escrevi um pouco por toda a parte.

Que me encontrei um pouco por todo o lado.

Que me li entre pilares de pedra antiga,

erguendo-se de águas infinitas ,

que marulharam versos meus

até qualquer outro horizonte,

repletos de sal e de destino.

E de lugares por saber...

Out/2011

Henrique Mendes
Enviado por Henrique Mendes em 09/09/2011
Reeditado em 13/07/2022
Código do texto: T3210049
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