MÁGOA
Nesses dias, abrindo a porta da casa,
Sentia a presença torpe do medo e do desespero
Aspirava o cheiro adocicado da bruxa do mês de agosto
Leve vislumbre dos vultos que espreitavam nos cantos
Os vincos de preocupação marcados em nossos rostos
Tensão, conversas nervosas, olhares de soslaio,
Paradas inexplicáveis em frente ao deus do espelho
- Algo estar para acontecer... - Dizia o inconsciente,
Cuidado! Espera o pior de todos os pesadelos
- Ah, nada vai acontecer! - Diziam as fadas da mente.
Mas enfim chegou o dia no meio da casa vazia
Palavras soltas ao vento cortando o fino desprezo
Em pequenas partes mortas, fios longos, bocas tortas,
Pedaços de mentirinhas, migalhas, meias verdades,
Nada que mereça o preço de evitar bater a porta
Porta de um coração ferido, magoado e sem saída,
Bomba que explode no rosto daquele que há só um dia,
Parecia ser seu apoio, seu lastro seu entreposto,
Vivendo um sonho perdido sem nunca ter escolhido
Ferir tão fundo e sem pena de provocar tal desgosto
Será que era verdade, no peito o que se sentia?
Será que era mentira o amor que se media
Por simples palavras ditas em resposta ao dia a dia?
Atos meros, abstratos, nada que demonstrasse ser,
Aquilo que realmente se dizia
E aqui jogados na sala restos de ressentimento
Cozinha limpa sem sal, refletindo o desespero.
No quarto partes de algo que nunca se concretizou
No hall o chapéu a bengala e as pegadas de lama
Restam na porta mil frestas para sair quem nunca entrou.