Antigamente, quando eu era jovem

Antigamente, quando eu era jovem, achava que podia comer a vida,

feito sobremesa.

Que ela estaria sobre a mesa, esperando para após o jantar.

Não importava comer o nada, ela estava lá, para dali a pouco.

Quando finalmente cansei de inapetências quis o doce.

E ele era de fruta estragada.

Antigamente, quando eu era jovem, achava que o tempo não existia.

Que era brincadeira de mau gosto das velhas bruxas.

Desdenhava das máscaras enrugadas, mostrando-lhes minha força.

Sem medo do escuro do meu quarto.

Quando finalmente, acesa a luz, porque se fez noite lá fora,

o escuro veio para dentro.

Antigamente, quando eu era jovem, abdicava dos grandes prazeres,

na espera fantasiosa dos pequenos milagres.

Doava amores e humores a quem comigo dançasse

a dança dos desatentos.

Quando finalmente, pés cansados, ouviu-se a música,

zumbiu no ouvido o som do tempo. Desafinado.