o joão de baro. (o adultério )
O João de barro
Entre os pássaros brasileiros há uma lenda que impressiona pela sua complexidade psicológica. Segundo esta lenda, que chega a ter cunho social e moral para os homens, como se fosse literatura universal, o João de barro que é um pássaro conhecido pelo ofício de construtor, que possui uma perícia incomum, em edificar com argila apenas, transportada em seu próprio bico, uma espetacular moradia, quase uma fortaleza, e sempre com um cuidado paternal para não deixar sua prole a mercê das intempéries da chuva e do vento. Faz sua casa posicionada ao contrário dos perigos naturais.
Todavia, este estupendo ser da floresta tropical, com uma inteligência que causa espanto aos homens, no que diz respeito a ser um bom provedor familiar, não foi livrado da covardia conjugal. Talvez, seja pelo fato, dele ser tão dedicado em prover as coisas físicas e com isso ter negligenciado seus deveres de marido, que sua parceira escolhe outro da mesma espécie, entretanto, com menos nobreza e menos empenho em adquirir coisas materiais. E a despeito de amor altruísta que recebe de seu parceiro original, que lhe protege e lhe ama de modo tão sublime o trai covardemente, será mesmo instinto esse proceder, simplesmente para perpetuar a espécie? Ou será que há algo de humano de racional nesse fenômeno, nesse adultério natural nessa incomum história?
Uma vez que fica evidente, a traição, depois de consumada a má conduta da companheira, o macho traído toma uma posição viril, e com uma energia desproporcional transporta em breve tempo uma montanha de barro, e veda a porta daquela que seria sua moradia de toda vida, ou de alguns invernos. Há, portanto, requintes de crueldade nessa ação, nessa atitude grotesca justificada pela lei de Deus e dos homens. O crime em defesa da honra. Enquanto lá dentro, sobre o aconchego do lar usurpado, os amantes não percebem sua vil sina, e lá ficam a se amarem até a morte por asfixia. E a casa que havia sido construída para um nobre fim tem um final trágico como trágico é o amor.
Há, a meu ver, um paralelo entre os homens e os pássaros. Shakespeare que nos diga, com seus dramas quase mitológicos, onde Otelo mata sua amada por ciúme atroz, tornando-se arquétipo de justiceiro pela honra. Todavia, para a massa, para os homens simples que nem sabem ler, qual mito tem mais influência? Shakespeare ou o João de barro?
Brasília 21/12/2006. evan do Carmo